A implementação no Brasil de uma taxa sobre carbono, cobrando mais de combustíveis fósseis e nos moldes do que é feito no exterior, poderia aliviar a trajetória da dívida pública nos próximos anos. Até 2030, o endividamento poderia ficar mais de dez pontos menor, em porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), com a cobrança, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Com a pandemia da covid-19, a dívida deve explodir este ano, subindo de 58,3% em 2019 para 75,4% do PIB (em termos líquidos) e de 75,8% para 95,6%, no caso da dívida bruta. Já com a taxa de carbono, a dívida líquida estaria em 57,6% em 2030, menor que antes da pandemia, e a dívida bruta ficaria em 91,7%, sete pontos abaixo do esperado hoje.
Os cálculos são de Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV. Em ambos os cenários, ele prevê a manutenção do teto de gastos pelas regras atuais até 2026.
Um aumento do endividamento é preocupante, entre outros motivos, por afastar o Brasil do grau de investimento das agências internacionais de classificação de risco.
Além dos impactos ambientais e dos benefícios para a saúde pública que a redução de poluentes traria, a adoção de um sistema de taxação de carbono poderia arrecadar em torno de R$ 600 bilhões nos próximos dez anos. O imposto lá fora taxa tanto o combustível na bomba dos postos quanto os que são usados na aviação, na indústria e em usinas termoelétricas.
“Já que vamos precisar de algum aumento de carga tributária, que tal fazer isso de uma maneira inteligente, usando um tributo que tem potencial de arrecadação elevado e que não gera distorções? Arrecadar 1% do PIB pela recriação da CPMF até é possível, mas é um tributo ruim. Já o carbon tax é um tributo, que teria esse potencial de arrecadação, mas com benefícios”, diz Borges.
Ele argumenta que com o cenário atual, de inflação baixa, a necessidade de conter o endividamento e de realinhar o País com as melhores práticas ambientais, a discussão sobre a reforma tributária seria a oportunidade ideal para implantar o tributo verde.
Tramita desde 2018 na Câmara um projeto do deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) que propõe a criação da taxação sobre o carbono, elevando a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), para promover avanços na “sustentabilidade e a mitigação do aquecimento global”. Um relatório do ano passado da OCDE aponta que a tributação sobre combustíveis de origem fóssil no Brasil ainda está distante das práticas internacionais. Em uma lista de 44 países, só Brasil, Rússia e Indonésia estão abaixo do referencial internacional de tributação sobre emissões de veículos, de € 30 por tonelada de gás carbônico.
Taxa polêmica
O imposto sobre o carbono não seria simples de ser aprovado. Um dos caminhos seria a elevação de alíquotas como a Cide. O levantamento do Ibre/FGV considera um aumento de 20% a 25% nos preços dos combustíveis, caso a medida fosse tomada.
“Mas poderia ser feito um escalonamento, para que se chegue a uma arrecadação de 1% do PIB até 2025”, diz Borges. No caso dos caminhoneiros, que chegaram a parar o País em 2018, para protestar contra o preço do diesel, ele avalia que poderiam ser criadas medidas compensatórias de crédito, para facilitar a transição.
“Toda mudança vai gerar polêmica. E na transição para uma economia verde, isso também acontece. Em um segundo momento, o governo pode pensar em políticas para diminuir a dependência que o transporte público tem de combustíveis fósseis, investindo em ônibus híbridos e elétricos, por exemplo.”
Para Clovis Panzarini, especialista em tributação, a adoção de uma taxa de carbono em linha com as experiências internacionais é fundamental, mas não deve ocorrer no atual governo. “Lá fora, estão trabalhando fortemente nessa direção. Mas é preciso ter um governo inclinado a alguma conscientização ambiental, coisa que o presidente Bolsonaro e seus ministros não têm.” Ele ressalta que nunca é fácil aprovar um aumento de impostos, mas que é preciso modernizar o País e aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais.
Procurada, a Fecombustíveis, federação que representa as empresas do setor, não comentou a proposta de taxação sobre combustíveis fósseis.
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