Toda a agressividade tarifária que não veio no dia da posse de Donald Trump está aparecendo aos poucos, em menos de um mês depois que ele assumiu a Casa Branca. Já era esperado, de certa forma, que ele iria aplicar seu terrorismo tarifário aos poucos. Começou com as ameaças ao Canadá e México, mas efetivamente deu sinais mais claros ao taxar em 10% os chineses e agora o aço e o alumínio em 25%.
Trump tinha uma visão mercantilista em seu primeiro mandato, e a isso se junta um modo imperialista de governo, que vê o Canadá como o 51º Estado americano. Sem amarras e limites, muito menos assessoria econômica de qualidade, Trump seguirá impondo custos cada vez maiores a seu próprio país.
Como todos sabemos, menos Trump, quem pagará a conta do aumento tarifário são os americanos, e isso implica alta temporária da inflação, que pode chegar a até 0,5 ponto porcentual este ano. Além disso, as famílias americanas poderiam sofrer uma perda de renda disponível de US$ 1,2 mil este ano, segundo o Peterson Institute, isso tudo se ele não tarifar ainda mais e a depender das retaliações que ainda podem ocorrer.
Esse aumento de tarifas retrocede os EUA para os níveis que existiam na década de 60, e o aumento de tarifa em pontos porcentuais chega a ser maior do que o aumento médio visto na Grande Depressão com o Smoot-Hawley Atc, também segundo o Peterson Institute.

Apesar de os EUA estarem ainda em crescimento, os mercados de automóveis e imobiliário, que já começaram a desacelerar, especialmente este último, tendem a sofrer ainda mais com o impacto nos custos do aumento do preço do aço por lá.
O conjunto de políticas nos EUA reforça a ideia de que será difícil os americanos escaparem de uma desaceleração mais grave este ano. Trump conseguiu levar o Índice de Incerteza de Política Econômica para o terceiro pior nível dos últimos 40 anos, só perdendo para a recessão de 2008 e a pandemia.
O impacto no Brasil
Não é pequeno o choque que Trump seguirá causando e o Brasil, que se esperava fosse ter atacado mais para a frente, já deverá sofrer as consequências. A tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio pega em cheio nossos exportadores, que respondem pelo segundo maior nível de embarque para os EUA. Não será simples para os produtores de aço brasileiro acharem alternativas em um mundo em desaceleração.
O mercado chinês segue em crise no mercado imobiliário e a Europa, com seu principal motor em recessão, a Alemanha, dão sinais de um mundo que tende a diminuir a expansão do consumo de aço. Dada a pressão no mercado chinês, é quase certo que a importação de lá acabará por aumentar.
Parte da consequência da guerra comercial entre China e EUA é que os chineses cada vez mais procurarão aumentar sua exportação de produtos industrializados para mercados emergentes como o nosso. Não há alternativa para a China nesse momento a não ser crescer por exportação.
A alternativa de vender a preços menores no mercado brasileiro também enfrenta barreiras pela diminuição do crescimento que veremos esse ano. Também nosso mercado imobiliário sofrerá as consequências da alta de juros e o mercado automobilístico, que cresceu com força em 2024, dá sinais de que terá expansão menor este ano.
Colhendo o próprio veneno
O Brasil colhe do próprio veneno após aplicar aumento de tarifa de importação para 25% em maio de 2024, o que pode ter dado um alívio de curto prazo para o setor, que cresceu 19% desde maio do ano passado, segundo os dados de produção industrial do IBGE.
Olhando um período mais longo, entretanto, a indústria do aço perdeu 3% no acumulado de 2002 até final de 2024, enquanto a indústria como um todo cresceu apenas 14%. A história da indústria brasileira tem sido uma de proteção recorrente via tarifas de importação, que nunca levaram o setor a crescer, muito pelo contrário.
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Sendo verdade que há um processo geral de desindustrialização no mundo, o fato é que os mais protegidos são os que mais perderam. Os que mais se industrializaram recentemente foram os que mais se abriram e aumentaram o comércio, como é o caso da Polônia.
Os EUA correm o risco de entrar nessa estatística no futuro se mantiverem os erros cometidos desde 2016. Nem a guerra tarifária, nem a política industrial de Biden evitaram que a indústria americana continuasse em queda, como mostrou o Peterson Institute em recente estudo.
O fato é que o mundo sairá perdendo de uma guerra tarifária retaliatória e o Brasil, que já enfrenta suas próprias dificuldades, terá de lidar com mais uma crise.