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Uma depressão ainda maior?

Com a pandemia da covid-19 ainda fora de controle, o melhor resultado econômico que se pode esperar é uma recessão mais profunda do que aquela que se seguiu à crise financeira de 2008. Mas, dada a instabilidade das respostas políticas até agora, as chances de um resultado muito pior estão aumentando a cada dia.

Por Nouriel Roubini

NOVA YORK - O choque da covid-19 na economia global foi mais rápido e mais severo que a Crise Financeira Global de 2008 (GFC, na sigla em inglês) e até mesmo que a Grande Depressão. Nos dois episódios anteriores, as bolsas de valores caíram em 50% ou mais, os mercados de crédito congelaram, grandes falências se sucederam, as taxas de desemprego saltaram acima de 10% e o PIB se contraiu a uma taxa anualizada de 10% ou mais. Mas tudo isso levou cerca de três anos para acontecer. Na crise atual, resultados macroeconômicos e financeiros igualmente terríveis se materializaram em três semanas.

A famosa Torre Eiffel, agora fechada ao público em razão do coronavírus, e o rio Sena são vistos do metrô de Paris, agora praticamente vazio todos os dias. Foto tirada em 21/03 Foto: Andrea Mantovani/The New York Times

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No início deste mês, foram necessários apenas 15 dias para o mercado de ações dos Estados Unidos despencar para um território de baixa (um declínio de 20% em relação ao pico, o mais rápido já registrado). Agora, os mercados já caíram 35%, os mercados de crédito se paralisaram e os spreads de crédito (como os de títulos indesejados) subiram para os níveis de 2008. Até mesmo as empresas financeiras mainstream, como Goldman Sachs, JP Morgan e Morgan Stanley, esperam que o PIB americano caia a uma taxa anualizada de 6% no primeiro trimestre e de 24% a 30% no segundo. O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steve Mnuchin, alertou que a taxa de desemprego pode subir para mais de 20% (o dobro do maior nível registrado durante a GFC).

Em outras palavras, todos os componentes da demanda agregada – consumo, investimento em bens de capital, exportações – estão em uma queda livre sem precedentes. Ainda que a maioria dos comentaristas prefira antecipar uma desaceleração em forma de V – com a produção caindo acentuadamente por um trimestre e se recuperando rapidamente no próximo –, agora já deveria estar bem claro que a crise da covid-19 é uma coisa completamente diferente. A contração que está em andamento não parece ter forma de V, nem de U, nem mesmo de L (desaceleração acentuada seguida de estagnação). Pelo contrário, parece um I: uma linha vertical que representa os mercados financeiros e a economia real em queda.

Nem mesmo durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial a maior parte da atividade econômica foi literalmente fechada, como está ocorrendo na China, nos Estados Unidos e na Europa nos dias de hoje. O melhor cenário seria uma desaceleração mais severa que a GFC (em termos de redução da produção global), mas de vida mais curta, possibilitando um retorno ao crescimento positivo até o quarto trimestre deste ano. Nesse caso, os mercados começariam a se recuperar assim que aparecesse a luz no fim do túnel.

Mas o melhor cenário pressupõe várias condições. Primeiro, os Estados Unidos, a Europa e outras economias fortemente afetadas precisariam implementar vastas medidas de teste, rastreamento e tratamento da covid-19, quarentenas forçadas e um bloqueio generalizado do tipo que a China implementou. E, como pode levar 18 meses para que uma vacina seja desenvolvida e produzida para toda a população, antivirais e outros medicamentos precisariam ser introduzidos em larga escala.

Segundo, os formuladores de políticas monetárias – que já fizeram em menos de um mês o que demoraram três anos para fazer depois da CGF – precisariam continuar tirando da cartola medidas não convencionais para combater a crise. Isso significa taxas de juros zero ou negativas; intensificação do forward guidance [ou seja, mais clareza por parte dos bancos centrais na sinalização da trajetória futura da taxa de juros]; flexibilização quantitativa; e facilitação do crédito (compra de ativos privados) para ajudar bancos, instituições financeiras não bancárias, fundos do mercado monetário e até grandes corporações (commercial papers [notas promissórias comerciais] e títulos privados). O Federal Reserve dos Estados Unidos expandiu suas linhas de swaps para atender à enorme escassez de liquidez em dólar nos mercados globais, mas agora precisamos de mais instrumentos para incentivar os bancos a emprestar a pequenas e médias empresas sem liquidez, mas ainda solventes.

Terceiro, os governos precisariam implantar estímulos fiscais maciços, inclusive por meio de “dinheiro jogado de helicóptero”, ou seja, transferências diretas em dinheiro para as famílias. Dado o tamanho do choque econômico, os déficits fiscais nas economias avançadas precisariam aumentar de 2 a 3% do PIB para cerca de 10% ou ainda mais. Somente os governos centrais têm balanços grandes e fortes o suficiente para impedir o colapso do setor privado.

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Mas essas intervenções financiadas pelo déficit devem ser totalmente monetizadas. Se elas forem financiadas por meio da dívida pública padrão, as taxas de juros subiriam acentuadamente e a recuperação morreria sufocada antes de sair do berço. Dadas as circunstâncias, as intervenções há muito propostas pelos esquerdistas da escola da Teoria Monetária Moderna, entre elas o “dinheiro de helicóptero”, tornaram-se mainstream.

Infelizmente, a reação da saúde pública nas economias avançadas ficou muito aquém do necessário para conter a pandemia, e o pacote de políticas fiscais hoje em debate não está amplo nem rápido o suficiente para criar condições para uma recuperação oportuna. Assim, o risco de uma nova Grande Depressão pior que a original – uma Depressão Ainda Maior – aumenta a cada dia.

A menos que a pandemia seja interrompida, as economias e os mercados do mundo todo continuarão em queda livre. Mas, mesmo que a pandemia seja mais ou menos contida, o crescimento geral não retornará até o final de 2020. Afinal, até lá, é provável que comece outra temporada de vírus, com novas mutações; intervenções terapêuticas com as quais muitos estão contando podem se mostrar menos eficazes do que se espera. Assim, as economias se contrairão mais uma vez, e os mercados cairão mais uma vez.

Além disso, a resposta fiscal pode chegar a um limite se a monetização de déficits maciços começar a gerar inflação alta, especialmente se uma série de choques negativos na oferta, relacionados ao vírus, reduzir o crescimento potencial. E muitos países simplesmente não conseguem fazer esses empréstimos em sua própria moeda. Quem socorrerá governos, corporações, bancos e famílias em mercados emergentes?

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De qualquer forma, mesmo que a pandemia e as consequências econômicas forem controladas, a economia global ainda poderia se ver sujeita a vários riscos da chamada cauda de “cisne branco”. Com a eleição presidencial americana se aproximando, a crise da covid-19 dará lugar a novos conflitos entre o Ocidente e pelo menos quatro potências revisionistas: China, Rússia, Irã e Coréia do Norte, que já estão se valendo da ciberguerra assimétrica para minar os Estados Unidos por dentro. Os inevitáveis ataques cibernéticos ao processo eleitoral americano podem gerar contestação do resultado final, com acusações de “manipulação” e possibilidade de violência e desordem civil.

De maneira similar, como já argumentei em outra ocasião, os mercados estão subestimando enormemente o risco de uma guerra entre os Estados Unidos e o Irã ainda este ano; a deterioração das relações sino-americanas vem se acelerando, pois um lado culpa o outro pela escala da pandemia da covid-19. É provável que a atual crise precipite a balcanização e o esfacelamento da economia global nos próximos meses e anos.

Essa trindade de riscos – pandemias não contidas, arsenais de política econômica insuficientes e cisnes brancos geopolíticos – será o bastante para jogar a economia global em uma recessão persistente e produzir um colapso descontrolado do mercado financeiro. Depois do crash de 2008, uma resposta forte (ainda que demorada) afastou a economia global do abismo. Pode ser que não tenhamos tanta sorte desta vez. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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* Nouriel Roubini, professor de economia na Stern School of Business da Universidade de Nova York e presidente da Roubini Macro Associates, foi economista para assuntos internacionais do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca durante o governo Clinton. Ele trabalhou para o Fundo Monetário Internacional, o Federal Reserve dos Estados Unidos e o Banco Mundial. Seu site é NourielRoubini.com.