Em medicina, os experimentos são realizados com cobaias, ratos, camundongos e coelhos. No ramo digital, os testes são feitos com neozelandeses, também conhecidos na língua inglesa pelo gentílico kiwi. O país da Oceania tem se mostrado um local perfeito para que companhias de software, redes sociais e desenvolvedores de aplicativos possam testar e aperfeiçoar seus produtos. Foi o que fez a Microsoft no ano passado, ao lançar experimentalmente na Nova Zelândia o Sway, um app que ajuda o usuário a criar sites na internet e que agora já é comercializado em outros países. Outras grandes empresas de tecnologia, incluindo Facebook e Yahoo, também usam a Nova Zelândia como laboratório de desenvolvimento, o mesmo acontecendo com companhias de games e pequenas startups.
Ao se preparar para lançar um produto novo no mercado, as empresas precisam antes identificar e reparar eventuais defeitos, além de verificar se os seus servidores têm condições de lidar com o acesso de muitos usuários ao mesmo tempo. Para uma empresa nova, pode ser fatal se os problemas só forem percebidos quando o produto já estiver sendo comercializado nas lojas de apps da Apple ou do Google. Os desenvolvedores poderiam realizar os testes num Estado ou cidade dos Estados Unidos, por exemplo, mas os consumidores de produtos digitais estão tão habituados a compartilhar experiências com seus contatos nas redes sociais que seria difícil manter o teste em segredo por muito tempo, diz o empresário do ramo de softwares Ivan Kirigin. Graças ao relativo isolamento da Nova Zelândia, quando um produto precisa ser submetido a modificações significativas para corrigir defeitos ou aumentar seu apelo de marketing, a notícia dos problemas encontrados durante a fase de testes tem menos chance de se espalhar, evitando que as pessoas de outros lugares percam o interesse em experimentar sua versão melhorada. Se uma empresa constata que um produto novo ou uma nova função incorporada a um produto antigo é um fracasso total na Nova Zelândia, o artigo pode ser discretamente descartado sem que isso tenha efeitos mais significativos para a sua reputação global. O Facebook experimentou oferecer aos neozelandeses mensagens que se autodestroem (como no Snapchat) e uma ferramenta que permite ao usuário pagar uma pequena quantia para promover suas postagens junto aos amigos. Como os kiwis não aprovaram as modificações, elas não foram adotadas em outros países. "Se você queima o filme nesse mercado, é sinal de que a coisa não é boa", diz David Stewart, da companhia de compartilhamento de fotos Fade. Além de fanáticos por tecnologia e sempre abertos à experimentação, os neozelandeses falam inglês e têm condições socioeconômicas e gostos semelhantes aos de indivíduos ocidentais de mercados maiores. Com 4,5 milhões de habitantes, sua população também é grande o bastante para que os testes possam ser realizados com amostras de tamanho significativo, diz Stewart. Há outros lugares que oferecem boas condições para que as empresas digitais realizem testes com discrição. O Chile é muito usado para testar apps destinados à América Latina: é um país pequeno e relativamente afluente e seus habitantes falam espanhol, outro idioma mundial. Mas são poucas as empresas de tecnologia que divulgam seus mercados experimentais. Não é do interesse dos cientistas que as cobaias saibam que estão sendo usadas como cobaias. © 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.
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