Em meio ao cenário de inflação pressionada e de juros elevados, o comércio varejista brasileiro iniciou o ano de 2025 sem crescimento, assim como ocorreu com a indústria e os serviços. O volume vendido recuou 0,1% em janeiro ante dezembro, após já ter diminuído nos dois meses anteriores, segundo os dados da Pesquisa Mensal do Comércio divulgados nesta sexta-feira, 14, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O cenário vai ficando mais claro. Vemos uma certa acomodação no mercado de trabalho, ainda que os níveis de emprego e renda continuem elevados. Também deveremos observar de forma mais intensa à frente o efeito da política monetária contracionista sobre a demanda”, avaliou o economista Rodolfo Margato, da gestora de recursos XP Investimentos.
Ele ressalta que os dados não apontam para uma reversão drástica da atividade econômica. “É mais uma desaceleração gradual do que um freio abrupto”, acrescentou.
Alguns componentes sensíveis à renda mostraram fraqueza em janeiro, e os dados do varejo e dos serviços dão indicação de um começo de ano tímido para o crescimento do consumo, apontou o banco Bradesco, em relatório.
“São influências neste momento os juros crescentes e a inflação também, muito concentrada em alimentação no domicílio”, afirmou Cristiano Santos, gerente da pesquisa do IBGE.

O pesquisador do IBGE interpreta que o varejo tenha completado três meses seguidos de estabilidade, uma vez que a sequência de três variações no campo negativo foram muito próximas de zero. Ele pondera ainda que a acomodação atual nas vendas ocorre após uma sequência de altas que levaram o volume vendido a alcançar patamar recorde em outubro de 2024.
“Nos últimos três meses, houve uma mudança de trajetória até janeiro de 2025”, disse Santos. “O crescimento que vinha até outubro não aconteceu nos últimos três meses. Há mudança de trajetória, com crescimento mais forte até outubro, para depois uma estabilidade”, reforçou.
Em janeiro, o varejo restrito operava 0,6% abaixo do patamar recorde de vendas alcançado em outubro de 2024. O varejo ampliado – que inclui os segmentos de veículos, material de construção e atacado alimentício – cresceu 2,3% em janeiro ante dezembro, para um patamar 0,7% aquém do recorde na série histórica, alcançado também em outubro de 2024.
Quatro das oito atividades que integram o comércio varejista registraram avanços nas vendas em janeiro ante dezembro: equipamentos para informática e comunicação (5,3%), combustíveis (1,2%), outros artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem lojas de departamentos (0,7%) e livros e papelaria (0,6%). Houve recuos em vestuário e calçados (-0,1%), móveis e eletrodomésticos (-0,2%), supermercados (-0,4%) e farmacêuticos e perfumaria (-3,4%).
“No mês passado (dezembro), teve mais resultados negativos. Esse mês de janeiro já é um pouco diferente. São quatro taxas positivas e quatro negativas, mas três setores negativos estão com variações muito próximas da estabilidade, dentre eles o de maior peso, supermercados”, frisou Santos.
O pesquisador vê um freio nas vendas do segmento farmacêutico nos últimos dois meses, mas diz que o desempenho de supermercados “não é exatamente negativo”.
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“Tem um fenômeno de inflação, ele acaba variando ao longo do tempo. Mas, neste momento, como tem pressão maior na alimentação do domicílio, ela acaba influenciando os indicadores de supermercados”, lembrou.
Quanto ao impacto dos juros mais elevados, Santos diz que o movimento tende a reduzir tanto a concessão de crédito quanto a disponibilidade de recursos para que as famílias consumam no varejo. No entanto, no mês de janeiro, a concessão de crédito a Pessoas Físicas mostrou resultado positivo, ajudando nas vendas, ele disse.
“Mas, falando de uma perspectiva um pouco maior, na trajetória de 2024, sim, o crédito é um fator que freia o consumo quando ele está diminuindo”, completou.
No comércio varejista ampliado, veículos registraram expansão de 4,8% em janeiro ante dezembro, e material de construção subiu 3,0%. O atacado alimentício não teve as informações divulgadas pelo IBGE, por ter uma série histórica ainda curta para a metodologia que desconta influências sazonais.
“Ao longo do ano, as vendas do comércio varejista devem seguir em ritmo mais moderado, o que reflete o enfraquecimento dos principais condicionantes do consumo. O mercado de crédito já começa a sinalizar deterioração nas condições financeiras, com aumento dos juros bancários que restringe o acesso ao financiamento, especialmente para a aquisição de bens duráveis. Além disso, as pressões inflacionárias sobre o orçamento das famílias, com altas mais expressivas nos preços de itens essenciais e o avanço nos preços de bens industriais, vêm reduzindo o poder de compra da população. Apesar disso, o mercado de trabalho ainda permanece aquecido e tem contribuído para mitigar perdas no início de 2025”, previu Isabela Tavares, analista da Tendências Consultoria Integrada, em relatório.