A universidade é o primeiro passo em direção à carreira profissional. Nas salas de aula, além do conhecimento técnico, os estudantes costumam ter o primeiro contato com a área que pretendem atuar e a interação com os colegas contribui de forma decisiva para a formação profissional. Mas 2020 foi totalmente diferente. As salas de aula deram lugar ao ensino remoto e a convivência social foi substituída pelos contatos virtuais.
A relação entre alunos e professores teve de ser repactuada para que a essência do aprendizado, ou seja, a relação franca para que a troca de conhecimento ganhe fluidez, não fosse totalmente perdida. A adaptação ao novo contexto, no entanto, não foi nada simples, admite Leonardo Rodrigues de Moraes, CEO da BSSP Centro Educacional, da cidade de Goiânia. “Confesso que no início foi difícil, pois o professor tradicional (sala de aula presencial) é muito sinestésico, ou seja, precisa desse contato presencial com os alunos, mas isso é apenas um paradigma a ser quebrado. Os recursos tecnológicos ajudaram também, tivemos que nos reinventar, e com isso descobrir metodologias ativas que aumentam a interatividade dos alunos com o professor, com uma eficácia de aprendizagem elevada”, diz o professor.
As inevitáveis perdas de competências que ocorreram com a ausência do convívio social universitário são inerentes ao processo, segundo Adriana Karam, presidente do Grupo Educacional Opet e reitora da UniOpet, de Curitiba. Segundo ela, entretanto, os desafios impostos pelo ano de 2020 também trouxeram aprendizados que não podem ser descartados. “É certo que nem tudo o que havíamos planejado de aprendizagens para os estudantes aconteceu. Seria leviano dizer que as instituições de ensino ou escolas conseguiram desenvolver todas as competências previstas no início do ano, mas posso afirmar que houve muitas aprendizagens não previstas, e que não seriam possíveis caso não passássemos pelo que passamos. Então, vamos trabalhar para recuperar o que precisa ser recuperado e manter o que foi aprendido”, afirma.
Independentemente do que o futuro indicar, estreitar relações por meio do convívio social feito via tecnologia é um dos legados que a pandemia vai deixar. “A falta de convivência social trará sim mais dificuldade para o engajamento no ambiente de trabalho. Por outro lado, as pessoas aprenderam a se relacionar pela tecnologia. E isso pode ser um ganho para quem precisar interagir com pessoas que estão em outras cidades ou países”, diz Flora Alves, especialista em aprendizagem.
Para João Guilherme Porto, diretor da Faculdade Arnaldo, de Belo Horizonte, não se pode afirmar que professores e alunos não interagiram em 2020. “O sistema que foi adotado pela maioria das instituições de ensino, e nos diversos segmentos, é um sistema interativo”, destaca Porto.
Lado emocional
Se professores e gestores da área educacional tiveram de se readequar ao novo momento, aos alunos, coube, quando possível, se adaptar o mais rapidamente. “Temos que entender que em um momento tão caótico é importante sim estudar. Pois o mercado de trabalho não para”, afirma Iara Borges Souza, estudante de Gestão de Pessoas. Para ela, o principal desafio, que deve continuar em 2021, é otimizar o tempo e o lado emocional.
Após todas as transformações de 2020, o ano de 2021 não deve ser muito diferente para alunos e professores, pelo menos no primeiro semestre. Mas o aprendizado obtido até aqui, afirma Leonardo Moraes, da BSSP Centro Educacional, vai ser muito útil.
“As expectativas são as melhores, pois com as dificuldades enfrentadas em 2020 foi possível identificar os acertos e erros e criar uma metodologia adequada à realidade dos estudos online. Os alunos estão menos resistentes, inclusive durante as aulas, e houve vários feedbacks do tipo: 'Mesmo após a pandemia, as aulas poderiam continuar neste formato'”, afirma o executivo.
Desafios da convivência
Manter o interesse do estudante nas aulas remotas não é tarefa fácil e os professores estão se desdobrando para tentar prender a atenção dos alunos. O professor da Universidade Positivo, em Curitiba, Fabio Muniz encontrou um meio inusitado para conseguir entreter os jovens. Ele resolveu dar as aulas fantasiado. “Surgiu de uma brincadeira com uma turma durante a aula remota. Apareci com uma peruca durante a aula e o pessoal se divertiu com a ideia. Devido às postagens nas redes sociais, os alunos de outras turmas começaram a me cobrar também”, diz Muniz. Apesar de a brincadeira não ter sido uma unanimidade, porque alguns estudantes o criticaram, o docente percebeu que a novidade contribuía para uma maior participação das turmas durante as aulas. “Criou-se um laço maior entre professor e aluno. Em algumas aulas alguns vieram fantasiados e mudavam o fundo de tela, se tornaram mais comunicativos”, diz.
A brincadeira dá um tom mais descontraído às aulas. No entanto, o professor alerta que ainda há muitas dificuldades no ensino remoto. “Em primeiro lugar tecnologia e conexão com internet. Nem todos os alunos possuíam equipamentos que permitissem uma boa participação. Em segundo lugar, a adaptação de conteúdos práticos ao modelo remoto. Tanto professor como aluno tiveram que reaprender e se reinventar para um novo modelo de ensino e aprendizagem”, explica.
Ele diz que grande parte das disciplinas que leciona permite, em algumas situações, o uso de fantasias para descontrair em alguns momentos da aula. “Se o perfil das turmas permitir, no pós-pandemia, o professor que eles vão encontrar será um pouco diferente do que estão acostumados”, avisa. “Mas a coisa mais importante não é fantasia. Ela sozinha é apenas um adereço. O importante é a qualidade do conteúdo que o aluno aprende”, considera o professor.
O preparo das aulas também precisou de atenção especial. “No início foi mais complicado, mas com o passar do tempo consegui buscar formas e atividades que abordassem o conteúdo a ser ministrado nas disciplinas, fazendo com que os alunos conseguissem dar um feedback positivo, e também negativo, ao que foi ministrado.” O conteúdo da aula remota é igual ao da presencial, afirma Muniz. Existe um ganho em algumas atividades, em que o professor consegue deixar a aula mais participativa, incentivando a pesquisa e a proatividade do aluno, mas também existem perdas. O ponto negativo, considera o professor, é a adaptação de alguns alunos ao modelo remoto, seja por falta de intimidade com a tecnologia ou mesmo por desinteresse pelo formato de aprendizagem.
Mesmo com toda a transformação e adaptação, nada substitui a interação na sala de aula, segundo o docente. “A vivência presencial na sala de aula ajuda o aluno a encarar desafios de convivência que são diferentes de uma aula remota. Interações e conflitos presenciais forçam o aluno a desenvolver habilidades e competências que são difíceis de conseguir estudando somente a distância. Habilidades práticas, presenciais e em grupos vão refletir na formação do profissional que sairá para o mercado de trabalho”, diz o professor.
A vivência presencial na sala de aula AJUDA O ALUNO A ENCARAR DESAFIOS de convivência que são diferentes de uma aula remota
FABIO MUNIZ, professor da Universidade Positivo