A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) vai encerrar os repasses a centros de pesquisa de ponta - os chamados Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) - neste ano. A fundação argumenta que não tem mais recursos para novas bolsas de pesquisa ou para prorrogar a vigência dos auxílios aos INCTs em 2022. O comunicado pegou os coordenadores dos institutos de surpresa.
Esses institutos de pesquisa estão espalhados pelo País - são 101, no total. Criados em 2008, eles desenvolvem grandes projetos em áreas de impacto social e são considerados um dos maiores programas de ciência e tecnologia do Brasil. Há institutos voltados para pesquisas que vão desde o desenvolvimento de vacinas até mudanças climáticas.
Os grupos são chefiados por cientistas de renome. Um deles, por exemplo, coordenado pela geneticista da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz, estuda a influência de questões genéticas e ambientais no processo de envelhecimento. Ao longo dos trabalhos, recebem alunos de mestrado e doutorado e contam com a cooperação de cientistas do exterior para alavancar as pesquisas brasileiras.
Além de pesquisas de vanguarda em áreas estratégicas para o País, outro objetivo dos INCTs é promover a formação de cientistas de nível internacional. Entre 2015 e 2019, foram mais de 4,7 mil teses de doutorado defendidas nos institutos e mais 7,6 mil de mestrado. Também passam pelos INCTs alunos de iniciação científica e de graduação.
Em um ofício enviado aos coordenadores dos INCTs na semana passada, a Capes diz que “atingiu o financiamento total proposto para o apoio” aos projetos desenvolvidos nos INCTs. “Não dispomos de orçamento para acatar novas indicações ou conceder prorrogações de vigência, a partir de janeiro de 2022”, completou a Capes no documento.
A previsão era de repassar R$ 100 milhões aos INCTs com pagamento de bolsas nas modalidades de mestrado, doutorado, pós-doutorado e professor visitante. Segundo a fundação, os pagamentos começaram em janeiro de 2017 e deveriam durar cinco anos. A cada ano, poderiam ser pagos R$ 20 milhões, e os recursos não utilizados em um ano não poderiam integrar o orçamento do ano seguinte, conforme a Capes.
Já os coordenadores dos INCTs argumentam que os repasses de verbas pela Capes teriam de continuar, pelo menos, até o fim de 2022 porque a maior parte dos pagamentos só começou a ser feita no fim de 2017, quando os projetos se estruturaram para receber os recursos. Com a pandemia, também houve dificuldades de implementar bolsas para professores visitantes, já que as viagens estavam suspensas. Eles dizem ter sido pegos de surpresa com o anúncio do encerramento.
Em uma carta à presidente da Capes, Claudia Queda de Toledo, 84 coordenadores dos INCTsargumentam que pelo menos um quinto de R$ 100 milhões prometidos pela fundação vai deixar de ser pago com o fim dos repasses da Capes aos institutos no ano que vem. “Esta decisão atinge profundamente um dos programas mais exitosos do País no apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação”, escrevem os cientistas.
Por meio de nota, a Capes não informou quanto efetivamente pagou aos INCTs ao longo dos cinco anos, mas disse que “todas as bolsas cujas implementações foram solicitadas à Capes pelos coordenadores foram efetivamente implementadas”. Também informou que os coordenadores já sabiam, desde 2017, que a vigência dos projetos chegaria ao fim agora. Foram implementadas 1.651 bolsas ao longo dos cinco anos nos INCTs.
Problemas orçamentários levaram, neste ano, ao atraso no pagamento de outra modalidade de bolsas da Capes, voltadas para estudantes de Licenciaturas. Alunos de graduação que recebiam R$ 400 tiveram seus pagamentos suspensos por falta de verba. Foi preciso aprovar um projeto de lei no Congresso para liberar os recursos, mas a demora levou parte dos jovens a abandonar os projetos e buscar emprego.
'Minha vontade é dizer que não dá mais'
Os INCTs também recebem recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e das fundações estaduais de amparo à pesquisa. Mas os cientistas dizem que já contavam com os aportes da Capes no ano que vem - e, agora, terão de replanejar as ações. O papel da Capes nesses centros de pesquisa é apoiar a formação dos cientistas. Já os recursos para a compra de equipamentos e reagentes vêm do CNPq.
O pesquisador Adalberto Val, coordenador do INCT Adapta, um centro de estudos de adaptações aquáticas da Amazônia, afirmou que se preparava para receber pesquisadores estrangeiros no início de 2022 - ação que não foi possível antes por causa da pandemia. O objetivo era trazer cientistas experientes na área e promover o contato das pesquisas nacionais com os estudos estrangeiros. A permanência deles no Brasil deveria ser custeada pela Capes.
“Como vou falar para meus colegas estrangeiros que a bolsa deles não vai sair?”, indaga Val, professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Além dessas bolsas, o INCT Adapta também contava com recursos da Capes para levar ao Amazonas, em março, uma pesquisadora cearense referência em comportamento de espécies - o que também não deve mais ocorrer.
“Minha vontade é dizer que não dá mais, que vamos fechar isso aqui. Cada dia é uma luta nova, uma coisa diferente”, completa o pesquisador, que vê cientistas brasileiros deixarem o País por falta de incentivo. Entre outros temas, o instituto realiza pesquisas sobre adaptações biológicas às mudanças ambientais.
No INCT de Fluidos Complexos, o coordenador Antonio Martins Figueiredo Neto teme pela continuidade de pesquisas ligadas à covid-19. Um dos estudos do centro, que reúne pesquisadores de várias áreas, tenta identificar características que podem levar infectados a desenvolver sequelas. “Não há de onde tirar recursos”, diz Neto, doutor em Física e professor da Universidade de São Paulo (USP).
“Os INCTs todos tinham bolsas acopladas aos projetos. Agora, como fazer projetos sem alunos?”, indaga a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do INCT de Envelhecimento e Doenças Genéticas, com sede na USP. Ela lembra que o instituto de pesquisa costuma receber muitos estudantes de mestrado e doutorado que não são de São Paulo. “Eles precisam da bolsa para sobreviver. As pessoas têm impressão que a bolsa é complementação de salário, mas é o único sustento que eles têm."
Segundo Jailson Bittencourt de Andrade, coordenador do INCT de Energia e Ambiente, com sede em Salvador, houve indicação por parte do CNPq de que haverá recursos para os INCTs em 2022 - o que não ocorreu em relação à Capes. “É uma situação em que se planeja fazer 100% e sabe que vai fazer 50% ou a depender do que planejou, precisa replanejar”, diz. “Não teremos pesquisadores novos começando.”
A Capes informa que limitações legais impedem que um valor não gasto em um ano seja usado no ano seguinte. Também afirma que continuará a pagar as bolsas ativas até o fim de suas respectivas vigências - são 260. “Isto representa um investimento adicional de R$ 3.808.910,84 a serem investidos pela Capes em 2022 e 2023”, informou a fundação. “Trata-se de um grande projeto e que será certamente estudado para uma nova edição e publicação em parceria", concluiu.