Geriatria é desafio para profissionais de Saúde

Em Medicina e Enfermagem, cada vez mais cursos incluem disciplina como obrigatória na formação

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A professora Rosemeire dos Santos Vieira e, à esquerda,Ana Paula Correia, futura enfermeira pela Faculdade de CiênciasMédicas da Santa Casa que quer se especializar em geriatria Foto: RAFAEL ARBEX / ESTADÃO

Os olhos já não conseguem divisar bem os objetos à frente, a caminhada é feita com dificuldade e com auxílio de andador, os ouvidos teimam em não decifrar o que o interlocutor está dizendo. Não é mesmo simples viver com as limitações da velhice, mesmo quando se tem pouco mais de 20 anos de idade e tudo isso faz parte de uma simulação. O cenário é a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que aborda Geriatria e Gerontologia na grade curricular da graduação, com atividades em laboratório, simulações e atuação dos alunos em clínicas de atendimento a idosos. Até 2013, a disciplina era optativa. Tornou-se obrigatória em resposta à mudança demográfica do País. Há cerca de 20 milhões de idosos no Brasil. É mais do que o dobro do que havia em 1991 e um terço do que o País alcançará em 2050, quando 70 milhões de brasileiros terão mais de 60 anos. “Em 15 anos, envelhecemos o que a Europa envelheceu em 50. Fomos pegos de surpresa, e essa é a diferença que temos em relação aos países desenvolvidos. Lá eles tiveram tempo. Aqui foi um envelhecimento brutal”, diz Ivana Damásio Moutinho, coordenadora do curso de Medicina da UFJF. “É claro que o aumento da expectativa de vida é bom, mas, para viver bem esses anos a mais, os idosos precisam ser acompanhados por profissionais preparados. Essa é nossa meta e, por isso, a disciplina entrou na grade”, afirma. “No Brasil, um levantamento realizado em 2013 e publicado em 2016 na Revista da Associação Médica Brasileira mostrou que menos da metade das escolas médicas trazem algum conteúdo relacionado a esse tipo de formação no currículo, boa parte ainda de forma eletiva. Atenta à situação, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) lançou, em 2014, um programa com sugestões de disciplinas para cursos de Medicina. O texto apresenta propostas para todos os semestres organizadas em temas como biologia do envelhecimento, síndromes geriátricas, atendimento ao idoso e cuidados paliativos. Na Universidade Estácio de Sá, que tem oito cursos de Medicina no País, os dois principais desafios são preparar o aluno para lidar com o paciente terminal (a maior parte deles, idosos) e com as questões cognitivas e neurológicas decorrentes da idade. “Eles não chegam aptos a lidar com situações como dar à família o diagnóstico de morte encefálica ou conversar com pacientes que já não têm mais possibilidades terapêuticas e que devem ser encaminhados a cuidados paliativos”, afirma o coordenador-geral do curso de Medicina da instituição, professor Silvio Pessanha Neto.

Estudantes de Medicina da PUC-RS treinam como fazer exames físicos geriátricos Foto: Bruno Todeschini

Empatia dos jovens. A falta de habilidade, no entanto, é contrabalanceada pela crescente empatia da juventude com essa faixa etária. Isso se deve, por um lado, ao fato de boa parte dos alunos terem idosos na família – avós octogenários, por exemplo – e, por outro, à consciência sobre a mudança da pirâmide etária no País.  “A minha formação foi muito ‘hospitalocêntrica’, só se fazia medicina com o paciente internado. Hoje, sabemos que a verdadeira medicina está fora do hospital”, afirma Júlio Cesar Martins Monte, coordenador da graduação em Medicina do Hospital Israelita Albert Einstein. Por ali, diz Monte, os alunos se envolvem ainda no primeiro ano em atividades com as comunidades do entorno, o que já sinaliza que a profissão é bem mais ampla e com muito menos adrenalina do que se vê em séries de TV como Grey’s Anatomy e House. No dia a dia, o médico, principalmente o geriatra, precisa dominar a arte da boa conversa e da percepção aguçada, o que parece banal, mas pode ser mais complexo do que a realização de uma cirurgia. Na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), a tônica da disciplina propedêutica médica é fazer com que os estudantes desenvolvam competência em anamnese (entrevista clínica com o paciente feita pelo profissional de saúde) e exames físicos geriátricos, além de aprender a lidar com particularidades psicológicas dos idosos. “Nessa população, é importante avaliar o estado mental, que pode estar alterado pela idade, por uso de medicamentos ou por doença neurológica”, afirma Jefferson Braga Silva, decano da Escola de Medicina da instituição. São tantas particularidades que o currículo do curso de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que entrou em vigor neste semestre, aumentou de 60 para 200 horas o tempo de disciplinas ligadas à Geriatria. “Apesar de os problemas que atingem os idosos serem comuns a muitas especialidades, o geriatra tem de ser visto como o maestro desse cenário”, defende Emilia Inoue Sato, coordenadora de Medicina na instituição. Mas na Unifesp, a dificuldade está em encontrar professores. “Temos um concurso aberto para docente da Geriatria. Se exigirmos doutorado no assunto, ainda há poucos. Por isso, aceitamos a residência e a pós-graduação em outras áreas correlatas envolvendo o estudo da população idosa.” O cenário, prevê Emilia, deve mudar a médio prazo, uma vez que é crescente a procura pela residência em Geriatria. “O sistema precisa estar preparado porque esses pacientes serão os grandes consumidores da pouca verba que tem a saúde pública. E o dinheiro só vai dar se o País conseguir manter esse idoso o mais saudável e independente possível.”  Uma tarefa que se sobrepõe ao atendimento médico: qualidade de vida na velhice é resultado de um olhar multidisciplinar. É consenso entre especialistas que somente com a integração de profissionais de Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Medicina no atendimento geriátrico será possível esticar a vida autônoma e ativa dos brasileiros. O conhecimento do fonoaudiólogo, por exemplo, é essencial já que o envelhecimento traz implícitas alterações na audição, na voz, na respiração e na deglutição, limitações que afetam o físico e a autoestima. “Mesmo o idoso saudável tem perda de audição. E, nesse momento, aceitar colocar um aparelho não é uma atitude natural como usar óculos”, compara Giedre Berretin-Felix, coordenadora do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (USP). Por isso, além da reabilitação, ela alerta para a necessidade de o profissional estar inserido em políticas de atenção básica. “Hoje, atende-se muito mais os distúrbios do que a prevenção. Há poucos fonoaudiólogos nos programas de saúde da família, por exemplo.”

Orientação para uso de aparelho auditivo, conduzida por aluno do curso de Fonoaudiologia Foto: USP

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Busca por profissionais. Nos cursos de Enfermagem, o próprio mercado de trabalho sinaliza a importância do aprendizado de geriatria. “O estudante, quando chega, ainda prefere as áreas de emergência, (Unidade de Terapia Intensiva), cirurgias. Mas nós, como escola, temos a missão de sensibilizá-los, até por causa da crescente procura por mão de obra”, afirma Arthur Bittes Júnior, coordenador do curso de Enfermagem das Faculdades Oswaldo Cruz.  O curso começou a ser oferecido em 2011 e, desde o início, leva em conta o aumento da longevidade do brasileiro e as repercussões disso na atuação do enfermeiro – as disciplinas relacionadas à Geriatria perpassam todos os semestres, no início em laboratórios com simulações realísticas e, no decorrer da graduação, nos estágios supervisionados. Aluna do 6.º semestre de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Ana Paula Correia se apaixonou pelo assunto. Ela participa da criação de uma Liga da Saúde do Idoso – que vai mesclar alunos de diversos cursos da área de Saúde em aulas teóricas e práticas sobre o envelhecimento – e pretende fazer um curso de especialização no tema. “Para mim, fica cada dia mais nítida a questão da integralidade, a importância do cuidado amplo com a saúde dessa população, o que inclui a assistência, mas também o acolhimento.”

SERVIÇO

Faculdades Oswaldo Cruz Graduação: Enfermagem Duração: 10 semestres Mensalidade: 12 parcelas de R$ 890 Site: oswaldocruz.br

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP Graduação: Enfermagem Duração: 8 semestres Mensalidade: R$ 1.315 Site: fcmsantacasasp.edu.br

Universidade Estácio de Sá Graduação: Medicina Duração: 12 semestres Mensalidade: O valor médio é R$ 8 mil (muda conforme unidade) Site: portal.estacio.br

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Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Graduação: Medicina Duração: 12 semestres Mensalidade: Curso gratuito Site: ufjf.br

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Graduação: Medicina Duração: 12 semestres Mensalidade: A primeira custa R$ 7.460,58. Da segunda à sexta mensalidade do semestre, o valor é de R$ 7.336,20 Site: pucrs.br

Faculdade de Ciências da Saúde do Hospital Albert Einstein Graduação: Medicina Duração: 12 semestres Mensalidade: R$ 6.380 Site: einstein.br/ensino

Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Graduação: Medicina Duração: 12 semestres Mensalidade: Curso gratuito Site: unifesp.br

Faculdade de Odontologia de Bauru da USP Graduação: Fonoaudiologia Duração: 8 semestres Mensalidade: Curso gratuito Site: fob.usp.br

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