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Matemática: contra a dificuldade, criatividade

Reverter obstáculos de aprendizagem tem sido desafio de professores; experiências bem-sucedidas têm em comum a proximidade com o aluno

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BRASÍLIA - As mais recentes avaliações sobre o desempenho de alunos brasileiros em Matemática mostram um cenário preocupante: conhecimento aquém do aceitável para a idade e inabilidade para exercer a cidadania por meio de contas básicas, como conferir o troco. Apesar de a disciplina ainda ser vista pelos estudantes como o bicho-de-sete-cabeças da educação básica, professores bem-sucedidos na empreitada dizem que o segredo para reverter o quadro é aproximar os números das situações do dia a dia e mostrar como a trigonometria, a geometria e as frações têm utilidade na vida prática.

Professor Luiz Felipe Lins inova ao ensinar matemática aplicando a disciplina ao cotidiano dos alunos. Sua metodologia dáresultados: os estudantes da Escola Municipal Francis Hime, no RIo, são campeões em olimpíadas de matemática Foto: Helio Melo / Prefeitura do Rio - 24/6/15

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Na semana passada, o relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) mostrou que mais de 70% dos alunos brasileiros entre 15 e 16 anos não alcançam nem sequer o nível básico de proficiência em Matemática. O resultado coincide com outro dado, divulgado em setembro: segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do Ministério da Educação (MEC), o desempenho deles na disciplina é o pior desde 2005.

Na contramão desses resultados, uma notícia animadora: neste ano, 6,5 mil alunos foram gratificados com medalhas de ouro, prata e bronze na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), coordenada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio. Outros 42 mil levaram certificados de menção honrosa.

Além dos bons resultados dos colégios militares e outras instituições federais - já reconhecidas por suas ótimas notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) -, chama a atenção da organização o desempenho de pequenas escolas públicas municipais localizadas em cidades remotas e pouco populosas - às vezes, a única da região.

Na avaliação da coordenadora da Obmep, Mônica Souza, isso ocorre porque, em colégios pequenos, é mais fácil convergir o envolvimento dos gestores, dos professores, dos alunos e dos pais dos alunos - receita principal para produzir um novo olhar sobre a Matemática. “Mas o docente é, sem dúvida, nosso principal agente multiplicador”, afirma.

Tática. Que o diga a comunidade de Cruzeta (RN), município de 8 mil habitantes a cerca de 230 quilômetros da capital Natal. A professora Maria da Guia Soares Afonso, que leciona na rede pública há 25 anos, ganhou um tablet pela sua atuação na escola municipal Cônego Ambrósio Silva. Uma vez por semana, e sem cobrar um tostão, ela reúne os alunos em uma sala de aula improvisada dentro de sua própria casa para dar aulas de reforço em Matemática. Resultado: um ouro, uma prata e quatro bronzes na olimpíada.

“Minha prática é contextualizar os conteúdos fundamentais que precisam ser trabalhados em cada ano”, resume a professora sobre sua principal “tática”. Números positivos e negativos (os chamados números inteiros), conteúdo do 7º ano do fundamental, ganham um novo contorno quando ela os associa ao cotidiano dos estudantes. Se alguém vai no mercadinho e deixa para pagar depois as compras do dia – hábito comum em cidades pequenas –, fica com saldo negativo com o dono do estabelecimento. Quando quitar a dívida, tudo será zerado.

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Para ensinar geometria, ela distribui aos alunos a planta de um apartamento e pede que eles tragam, na semana seguinte, o orçamento de um piso de cerâmica para a área da sala. Eles precisam calcular as medidas e ainda considerar 10% de margem. Embora a escola não tenha a infraestrutura ideal – “a gente se vira nos trinta”, brinca Maria –, as iniciativas vêm se refletindo em resultados práticos: desde 2008, a escola supera todas as metas do Ideb esperadas para o ano.

Sem fórmulas. Em duas décadas de salas de aula, o professor Luiz Felipe Lins desenvolveu olhar atento à realidade pessoal de cada um de seus alunos – muitos oriundos da periferia do Rio. Para isso, ele faz grupos de estudos e abusa de métodos pouco ortodoxos de ensino, como a elaboração de jogos, um de seus trunfos para cativar os jovens. Dessa forma, eles não “assistem” à aula de maneira passiva nem precisam decorar fórmulas, mas, sim, constroem seu próprio aprendizado, participando dela a todo momento.

Marcela (nome fictício), de 15 anos, havia sido reprovada em matemática e tinha tudo para ser rotulada de repetente ou defasada, mas o professor da Escola Municipal Francis Hime viu outra coisa: apesar de ela não ter conseguido acompanhar a turma anterior, gostava de resolver problemas de raciocínio lógico. Hoje, acumula duas pratas na Obmep. “Ela foi capaz de vencer”, sintetiza Lins.

Sua estratégia para atrair o interesse de estudantes como Marcela, que tinham a disciplina como uma das mais difíceis do currículo, é calcada em um tripé: o conceito, a instrumentalização e a aplicação. “Se o aluno entende o conceito, sabe trabalhar com ele e entende o porquê de aprender aquilo, começamos a construir uma matemática que faz sentido”, explica. 

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Um dos instrumentos mais divertidos utilizado por Lins nas aulas é uma balança antiga, daquelas com duas bandejas laterais nas quais, para que se atinja o equilíbrio, deve ser depositado exatamente o mesmo peso. Como manter o equilíbrio também é o objetivo das equações matemáticas, foi esta a maneira que ele achou para introduzir esse conteúdo em sala de aula.

Outra “brincadeira” é feita com uma espécie de pau de selfie que simula um instrumento topográfico. Com a ajuda de um aplicativo no celular, é possível medir ângulos e calcular distâncias difíceis de estimar com fita métrica, como um prédio muito alto ou uma montanha. Os alunos não sabem, mas isso é trigonometria – considerado por muitos o bicho-papão da matemática básica.

“A conta se faz pela fórmula, mas pensar... só a gente mesmo pode fazer. Eu acredito na valorização do raciocínio, e não em uma matemática que segrega”, diz o professor. Para ele, é preciso acabar com o mito de que crianças carentes, como a maioria dos alunos da escola em que leciona, só podem se dar bem se seguirem a área da arte ou do esporte. “O resultado da olimpíada é um pretexto para que se eles se descubram vencedores, capazes de ter um futuro promissor também através da formação acadêmica”.

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Lins é o “padrinho” de mais de 200 medalhistas em matemática. E, ele próprio, é também campeão. Em 12 edições da Obmep, foi gratificado em 8 como um dos melhores professores brasileiros na área.

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