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Nº de universitários com mais de 40 anos sobe, mas há preconceito: ‘Burro velho não aprende mais’

Alta é de 171% nos últimos dez anos, movimento impulsionado pelo ensino a distância e pela crise econômica, segundo especialistas. Caso de etarismo repercutiu nos últimos dias

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Por Ítalo Lo Re
Atualização:

O número de calouros com 40 anos ou mais em universidades brasileiras quase triplicou nos últimos dez anos, entre 2012 e 2021, segundo dados do Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação (MEC). A alta, de 171,1%, foi bem maior do que a variação do total de ingressantes: de 43,1%. Entre as causas, especialistas apontam, principalmente, a expansão dos cursos de ensino a distância (EAD) e a crise econômica, que obrigou muitos a tentarem recalcular a rota no mercado de trabalho.

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Nos últimos dias, repercutiu o caso de uma estudante de 44 anos que foi alvo de etarismo em vídeo gravado por três colegas. “Era para estar aposentada. Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade”, disse uma aluna. O material, que inicialmente foi publicado para um grupo restrito no Instagram, gerou revolta ao ser compartilhado em outras redes sociais. A vítima, Patrícia Linares, é caloura de Biomedicina na Unisagrado, faculdade particular localizada em Bauru, no interior de São Paulo.

No ano passado, 599.977 calouros com 40 anos ou mais entraram na faculdade no Brasil, quase o triplo do que há dez anos anos (221.337). A parcela ocupada por essa faixa etária praticamente dobrou: subiu de 8% para 15,2% no período. O número total de ingressantes também aumentou, mas em proporção bem menor: foi de 2,757 milhões, em 2012, para 3,945 milhões, no período mais recente.

“Esse crescimento de alunos com mais de 40 anos decorreu principalmente (do avanço) da modalidade de ensino a distância, principalmente em universidades particulares”, disse Mozart Ramos, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). No último ano, seis de cada dez ingressantes do ensino superior entraram nos chamados cursos EAD.

Essa mudança no modelo de ensino, segundo Ramos, alterou de forma direta o perfil dos alunos. “O aluno do EAD é, geralmente, um estudante mais velho e que já trabalha. Portanto, é um caminho mais factível para conciliar estudo e trabalho”, disse o pesquisador. Mas esse não é o único ponto que justifica o aumento em faixas etárias com mais de 40 anos.

Um outro motivo, continua Ramos, é a crise econômica que atingiu o País nos últimos anos e elevou as taxas de desocupação. “Com a pandemia, muita gente perdeu emprego ou perdeu renda”, afirmou. Segundo ele, isso, por um lado, aumentou a evasão de quem não conseguiu mais arcar com as mensalidades da faculdade, mas também empurrou alunos para salas de aula na esperança de realocação.

Patrícia Linares, caloura de Biomedicina na Unisagrado, faculdade particular localizada em Bauru, foi alvo de preconceito por parte de colegas Foto: Acervo pessoal

Na busca pela aprovação, ela teve de enfrentar o preconceito ao seu redor

A idade não foi um empecilho para que Janecleia Sueli Maria Martins, de 49 anos, fosse aprovada no curso de Medicina da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Salvador. A motivação para ingressar no curso veio após o falecimento de sua avó, que passou por um processo difícil de câncer. Nesse dia, Jane, como é conhecida, ganhou um novo propósito. “Eu dizia que eu seria médica para curar as pessoas que tinham essa doença” contou.

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No entanto, até o seu sonho se concretizar não foi fácil. Por ser de uma família humilde, Janecleia se casou cedo, ainda menor de idade, e teve dois filhos. Só depois de 16 anos, ela buscou bolsas de estudo em cursinhos preparatórios. Para manter o sustento de casa, Jane trabalhou em diversas funções: que iam desde vender marmitas a trabalhar como atendente de mercado. Hoje é passadeira, seu último emprego.

“Eu chegava às 22h30 em casa, tomava banho, jantava e descansava 15 minutos para voltar a estudar, porque no outro dia eu não tinha tempo para rever a matéria”, conta. Na busca pela aprovação, Janecleia teve de enfrentar o preconceito ao seu redor. “No cursinho, os outros alunos perguntavam se eu era a professora, por que eu não estava trabalhando, que medicina não era para mim”.

No cursinho, os outros alunos perguntavam se eu era a professora, por que eu não estava trabalhando, que medicina não era para mim

Janecleia Sueli Maria Martins, de 49 anos

Além das piadas ouvidas na sala de aula, no seu dia a dia também escutava que era velha demais. “Burro velho aprende mais nada. Já está no fim da vida, vai se formar para quê? Se formar em um dia e morrer no outro?”, relembrou a passadeira que nunca deixou se afetar. Após muita persistência, a aprovação de Jane veio em fevereiro deste ano. “Minha amiga disse: ‘você passou menina’, eu fiquei assim tão nervosa, que eu não conseguia nem abrir o site da faculdade para olhar o resultado.”

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Com 62 anos, o analista de sistemas Vinicius Lanzoni Gomes é um dos mais novos calouros de Ciências do Esporte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Limeira, no interior de São Paulo. Esportista há mais de 40 anos, fazer o curso é um sonho que renasceu nos últimos anos, à medida que ele ia chegando mais perto da aposentadoria do trabalho.

“Era uma coisa que eu alimentava há muito tempo, mas que não era uma prioridade. Dei prioridade para formar meus filhos também, investir neles. Hoje os dois estão formados, um em Medicina e outro em Direito”, disse Vinicius, que é morador de Jacareí, no Vale do Paraíba.

Meu ganho não foi só a aprovação, foi ter o prazer de estudar novamente

Vinicius Lanzoni Gomes, de 62 anos

Com a “missão cumprida”, ele entrou no cursinho Poliedro ao longo de todo o ano passado para se preparar para o vestibular. Agora, começa uma nova fase – a princípio, vai fazer “bate e volta” de carro até Limeira, mas com perspectiva de inclusive se mudar para a cidade à medida que for tendo mais disciplinas na faculdade. “Meu ganho não foi só a aprovação, foi ter o prazer de estudar novamente.” /COLABOROU KATHARINA CRUZ

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