Com apenas um ano em sala de aula, a escritora e professora de História Lavínia Rocha, de 25 anos, se destaca ao utilizar as suas redes sociais para mostrar a transformação que a educação antirracista e com diferentes dinâmicas pode causar. A professora viralizou na rede TikTok após mostrar a percepção de seus estudantes do 5.º ano do Colégio Frederico Ozanam, em Belo Horizonte, sobre o continente africano antes e depois das aulas.
A ação foi inspirada em outro professor, chamado Diony Mattos, que havia divulgado a atividade em seu Twitter meses antes. O exercício consistia em anotar no quadro o que vinha na mente das crianças antes e depois de estudarem o capítulo do livro sobre o continente africano.
“Eu vi em agosto, e eu sabia que lá para outubro, novembro eu ia chegar em África com os meninos também, aí pensei: vou fazer esse conteúdo com eles, estou doida para saber o que eles vão falar”, explica a professora.
O vídeo criativo não mostra o rosto das crianças, apenas as vozes, e chama a atenção ao trazer a animosidade dos alunos para responder ao quadro após as aulas. As palavras ditas pelos alunos saíram de termos como “pobreza” e “pessoas doentes” para “oralidade”, “Rio Niger” e “pente garfo”.
“Professora, você lembra do quadro que a gente fez? Tinha só um pouquinho de coisa, olha o tanto agora que tem!”, afirma uma das crianças ao fim da atividade.
O ensino antirracista da professora não se restringe à ação que viralizou. Ela explica que vinha trabalhando questões como religiões de matriz africana, racismo religioso e termos racistas desde o início do ano de forma leve e a partir do interesse das próprias crianças.
“Parte também da demanda dos meninos, eles estão muito atualizados no debate, às vezes até mais que o professor”, completa.
A palavra “escravos” foi substituída por “pessoas escravizadas” e o entendimento sobre a quantidade de países existentes dentro da África, as línguas e culturas do continente foi ampliado. Lavínia hoje vê os próprios alunos corrigindo a si mesmos e uns aos outros acerca do preconceito e racismo que a sociedade perpetua.
“Eles não precisam saber todas aquelas palavras e os conceitos de novo, mas se eles entenderem que se eles se baseiam em um discurso, é o Perigo de uma História Única, da (escritora nigeriana) Chimamanda Ngozi Adichie, eles vão perder. Se entenderem que quando abrirem o conhecimento, a imagem deles muda, para mim está ganho”. afirma ela.
A ideia de publicar as aulas nas redes sociais foi feita com autorização e apoio da escola. De acordo com Lavínia, os alunos adoram e até pedem para gravar, mas durante as aulas esquecem que estão sendo filmados.
O vídeo que viralizou nas redes não foi o único da professora. Em outros, ela já havia conseguido repercussão, mas nada com a dimensão do que mostra a transformação das crianças. “As pessoas ficam curiosas para revisitar a escola a partir da perspectiva atual”, diz. “Todos nós temos que trazer isso, não só professores negros.”
Política pública
Apesar da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas que a lei nº 10.639/2003 determina, a implementação da política ainda é um desafio no País.
Abordar políticas que envolvam diversidades de gênero, raça ou classe é um tema sensível e traz maiores desafios, como a própria falta de treinamento dos profissionais de educação para lidarem com a temática.
“Se a gente for pensar, a história da África na grade curricular de História é nova, surge a partir da demanda da lei. Eu peguei história da África, mas vários professores não tiveram, então eles precisam de cursos”, afirma.
Lavínia acredita que hoje a disposição para falar do tema dentro de sala de aula parte mais de uma iniciativa particular do professor. Para ela, muitos docentes não veem importância em abordar o assunto e por vezes até pulam o capítulo. “Tem os professores que não ligam, não estão nem aí e parece que você está ofendendo quando cita a lei, não são minimamente abertos.”
Apesar disso, ela ainda enxerga disposição de outros professores, que querem, mas não sabem como fazer.
“Eu vejo que ainda é uma coisa que parte do indivíduo, não é algo demandando na esfera pública, nas coordenações, não é cobrado, é sobre quem está lecionando essas crianças. Essa pessoa se importa com isso? Então ela faz um bom trabalho. A gente fica buscando aliados nesse meio.”
Adesão dos livros nas escolas
Lavínia começou a escrever aos 11 anos e é autora de 13 livros, dentre eles infantis e adultos.
A identificação como mulher negra também fez parte da sua trajetória literária, e vem sendo transmitida nos seus livros, que contam hoje com personagens representativos, como jovens e crianças negras e pessoas com deficiência visual.
“Tudo que eu faço é muito político, às vezes meus alunos não vão perceber, mas está ali.”
O livro intitulado De Olhos Fechados, que conta com uma protagonista com deficiência visual, foi adotada de forma espontânea em algumas escolas de Belo Horizonte. Em São Paulo, a obra fez parte do Programa Minha Biblioteca, da Secretaria Municipal de Educação, em 2019.
Outras obras, como O Mistério da Sala Secreta, protagonizado por duas crianças pretas, e Flores ao Mar, uma coletânea com as autoras Lorrane Fortunato, Olívia Pilar e Solaine Chioro, foram inscritas no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e atualmente estão sob análise do Ministério de Educação (MEC) para integrar oficialmente o currículo escolar.
Vencedora do Prêmio Perestroika
Lavínia não foi reconhecida apenas nas redes sociais: a professora foi anunciada no dia 1º de dezembro como uma das cinco vencedoras na categoria educação básica do primeiro Prêmio Perestroika.
A premiação busca, mapeia e homenageia as professoras e professores com as iniciativas e práticas mais inovadoras e criativas na educação.
Os professores foram avaliados por comissão julgadora e os cinco vencedores de cada categoria, um total de 20 professores, ganharam bolsa integral para cursos online. A ação foi organizada pela escola corporativa Sputnik junto com a escola de metodologias criativas Perestroika.