Depois de dois anos de pandemia, em que as crianças passaram meses sendo obrigadas a estudar em casa, a política educacional prioritária para o governo federal e para o Congresso Nacional é o homeschooling. Seria inacreditável se não estivéssemos neste Brasil quase distópico de 2022.
O País vê as consequências desastrosas de ter sido um dos que mais deixaram escolas fechadas, com aumento de crianças não alfabetizadas, retrocesso de aprendizagem em todas as idades e impactos socioemocionais sem medida. Famílias percebem, de forma inédita, a importância do professor, da socialização, da escola em sua forma completa para o desenvolvimento de seus filhos. E o quanto é difícil fazer isso em casa. Uma pesquisa divulgada na revista científica European Child & Adolescent Psychiatry com 6 mil pais durante a pandemia mostrou aumento de estresse, preocupações, problemas sociais e conflitos domésticos durante o período em que as crianças estudavam em casa.
Mas muitos deputados acham que a educação pode ser barganhada com dinheiro de emenda. Arthur Lira (Progressistas-AL) decidiu que era assunto urgente, colocou em votação semana passada e 264 aprovaram o projeto que autoriza homeschooling, como queria Jair Bolsonaro. O discurso é o de que os pais podem escolher tirar os filhos de escolas com suposta “doutrinação de esquerda”.
Permitir o homeschooling não é apenas deixar um grupinho de doidos fazer o que quiser, como podem pensar alguns deputados. É abrir espaço para pais mandarem filhos trabalhar ou pedir dinheiro nos faróis, com a justificativa de que estudam em casa. É ainda incentivar a formação de uma sociedade menos desenvolvida, voltada para o próprio umbigo, religião ou crença.
O convívio com outras crianças e adultos permite ter contato com muitas visões de mundo, lidar com conflitos, ser tolerante. Características cruciais também no mercado de trabalho hoje. A escola ainda os protege de violência doméstica e abusos.
O projeto prevê fiscalização nas casas que optem por educação domiciliar e provas para os alunos. Estados e municípios, que não têm dinheiro nem estrutura para garantir educação de qualidade para quem está dentro da escola, agora vão ter que fazer isso com os que estão fora dela.
Há mais de 40 milhões de estudantes no Brasil precisando de políticas educacionais que garantam que eles aprendam. O projeto agora vai ao Senado. Ainda há tempo para fazer o Congresso entender que crianças e adolescentes têm direitos. E que educação não é opção.
É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADÃO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)