Quando surgiu em 2003, a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, logo se firmou como local de encontro de grandes nomes da literatura local e estrangeira - desde então, uma enorme fileira de notáveis passou pela cidade histórica, como Salman Rushdie, Paul Auster e Toni Morrison, além dos brasileiros Chico Buarque, Caetano Veloso e Adélia Prado, para citar apenas alguns.
A 21ª edição, que começa nesta quarta, 22, e se estende até domingo, 26, segue por outro caminho, iniciado no evento de 2018: dar mais espaço a uma pluralidade de vozes, mesmo que, com isso, deixe de lado nomes já consagrados. “Para fazer uma curadoria de literatura que responda aos anseios literários, artísticos, estéticos de vários grupos leitores e ainda manter o vigor contemporâneo, precisamos fazer um imenso trabalho de pesquisa e observar com cuidado o que desses encontros podem surgir”, comenta Milena Britto, que divide a curadoria desta edição com Fernanda Bastos.
“Temos muitos desafios, o primeiro deles bem objetivo: a maioria dos autores de outros países não costuma viajar em novembro, por si só a data fez com que recebêssemos vários nãos. Contornando isso, tivemos uma preocupação em manter a festa com o olhar deste presente, com a literatura gerando reflexões que estão em pauta tanto no âmbito nacional quanto internacional, o que significa, tenho de dizer, que ao contrário do que se pensa, a maioria das pessoas convidadas são, sim, muitíssimo conhecidas, embora nem sempre por todos os grupos”, prossegue Milena, citando, como exemplo pertinente, a autora caribenha Dionne Brand, autora de um influente estudo sobre raça, sexo e política na cultura contemporânea, “Pão Tirado de Pedra” (Bazar do Tempo). “Ela não é só muito conhecida como há muito tempo desejada para se ter circulando aqui. O nosso papel é fazer isso: conectar esses pontos que parecem distantes. Trazer as ‘bolhas’ para um grande desfile no jardim.”
Outro nome apontado por ela é o de Patrícia Galvão, a Pagu, escritora homenageada desta edição. “Pagu tem uma potência ainda adormecida quando se fala de sua produção. E é uma produção que, nas suas várias linguagens, tem uma conexão extraordinária com o nosso presente”, diz a curadora. “O seu anseio político revelado na juventude fez com que ela fosse uma voz errante, corajosa e livre, procurando na arte um lugar de desenvolver ideias que tinham um propósito de transformação social e de ver o Brasil, naquela época não tão cosmopolita quanto se pensa e desejava, respirando as experimentações artísticas do mundo.”
O foco vai estar também no poeta Augusto de Campos, que será o artista em destaque. “Augusto tem mobilizado nossa atenção pela poesia e pelos movimentos que ele provoca por meio de sua poesia”, explica Fernanda. “A linguagem forjada por este autor na busca incessante por uma técnica precisa de comunicação com seu projeto estético de combate às linguagens e aos valores do conservadorismo e do passado tem conquistado leitores e leitoras de diferentes gerações, que guardam em comum o amor e a atenção por suas palavras, por sua linguagem visual, por sua crítica-anticrítica, por sua tradução-arte, por sua performance, por seus poemas verbo-voco-visuais, por sua contribuição ao concretismo e aos poetas, tradutores e críticos que lemos e que ainda leremos, porque seu trabalho perpassa a formação de tantas e tantos de nós disseminados por este largo País.”
A Flip deste ano retoma uma feliz tradição: um show musical inédito abre o evento na noite de quarta-feira, quando Adriana Calcanhotto e Cid Campos, seu parceiro musical de longa data, vão homenagear Pagu e Augusto de Campos.
Nos outros dias, várias mesas de debate vão reunir pensadores de diversas nacionalidades - como o britânico Kelefa Sanneh, crítico da revista New Yorker, ou escritora e artista alemã Nora Krug, autora de “Heimat” (Quadrinhos da Companhia), romance gráfico sobre identidade, história e pertencimento
A equatoriana Monica Ojeda, reconhecida por sua habilidade em criar narrativas intensas e perturbadoras, que exploram aspectos sombrios da psicologia humana, também deverá atrair muita atenção. Entre os brasileiros, destaque para Socorro Acioli, que acaba de lançar “Oração para Desaparecer” (Companhia das Letras), romance sobre magia, ancestralidade e pertencimento, e Itamar Vieira Junior, um dos mais incensados autores nacionais, que trabalha com lirismo a força das mulheres e o poder dos laços familiares.
* por Ubiratan Brasil, epecial para o site da Rádio Eldorado