No dia 11 de fevereiro, é celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Segundo a UNESCO, apenas 35% dos estudantes de STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática) no ensino superior são mulheres, e no Brasil, menos de 20% atuam em tecnologia da informação.
Essa desigualdade começa muito cedo, na educação básica. Meninas com menos de seis anos acreditam que "pessoas brilhantes" podem ser de qualquer gênero, mas, ao crescerem, passam a ver o "brilhantismo" como característica masculina. Isso impacta suas escolhas profissionais.
Em entrevista ao Blog, Ana Nery Lima, especialista em Gênero e Inclusão na Plan International Brasil, explicou que meninas e jovens são levadas a acreditar que não podem desenvolver suas habilidades em áreas consideradas difíceis, como física, matemática e engenharia.
Ainda segundo Ana, para ampliar a participação feminina em STEM, é essencial desconstruir estereótipos desde a educação básica. Confira os principais trechos da conversa:

Como os estereótipos de gênero afastam meninas e mulheres do universo das ciências?
Ana Nery Lima: Desde cedo, meninas são desencorajadas a se interessar por STEM devido a normas de gênero. A crença de que essas áreas são "masculinas" afeta a confiança e o interesse, como mostra o estudo de Cimpian et al, publicado na revista Child Development em 2011, que revela que meninas entre 6 e 8 anos já associam a matemática aos meninos. Além disso, a pouca visibilidade de mulheres cientistas reforça essa percepção.
Meninas com menos de seis anos acreditam que "pessoas brilhantes" podem ser de qualquer gênero, mas, ao crescerem, passam a ver o "brilhantismo" como característica masculina. Isso impacta suas escolhas profissionais: segundo a UNESCO (2024), apenas 35% dos estudantes de STEM no ensino superior são mulheres, e no Brasil, menos de 20% atuam em tecnologia da informação.
Temos pesquisas sobre a desigualdade de acesso ao estudo das ciências?
Ana Nery Lima: O relatório PISA (2022) aponta que, no Brasil, meninos superam meninas em matemática por 8 pontos, enquanto as meninas são melhores em leitura por 17 pontos. Globalmente, meninos superam meninas em matemática em 40 países, mas em 79 de 81 países, as meninas têm melhor desempenho em leitura.
Segundo a ONU Mulheres, apenas 25% dos profissionais de tecnologia são mulheres, e elas ganham 20% menos que os homens na área. Além disso, meninas realizam o dobro de trabalhos domésticos que meninos, reduzindo seu tempo de estudo e pesquisa, conforme estudo da Plan International Brasil, publicado em 2021.
Quais são os caminhos para mudar essa realidade?
Ana Nery Lima: Para ampliar a participação feminina em STEM, é essencial desconstruir estereótipos desde a educação básica. Escolas devem promover um ambiente inclusivo, fortalecer a confiança das meninas em matemática e ciências e utilizar materiais que representem mulheres na ciência.
Dar visibilidade a mulheres cientistas, criar programas de mentorias e incentivar meninas em feiras de ciências e clubes de robótica também são estratégias eficazes. Políticas de incentivo, como bolsas específicas e financiamento de pesquisas lideradas por mulheres, são necessárias para reduzir desigualdades. Segundo a UNESCO, apenas 28% dos pesquisadores globais são mulheres, e no Brasil, apenas 14% das bolsas de produtividade do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) são concedidas a cientistas mulheres.
Como essa realidade impacta meninas e meninos negros e como a educação antirracista pode contribuir no enfrentamento à desigualdade?
Ana Nery Lima: Meninas e meninos negros enfrentam múltiplos desafios para acessar direitos, refletidos na desigualdade educacional em STEM. A falta de representatividade impacta sua identificação com carreiras científicas. Apenas 2,3% das mulheres negras no Brasil concluem o ensino superior em áreas de exatas, segundo o IBGE. Além disso, sofrem discriminação de gênero e raça, afetando sua confiança e desempenho escolar.
A infraestrutura precária em escolas públicas e a maior evasão entre jovens negras agravam a situação. Para mudar esse cenário, é essencial valorizar referências negras na ciência e literatura nos currículos escolares, além de promover uma formação docente antirracista e antissexista. Iniciativas como clubes de ciências e grupos de estudo também são fundamentais.
É preciso desconstruir os vieses inconscientes de que geralmente pessoas brancas são melhores nas áreas de exatas. Criar ambientes escolares livres de racismo e sexismo fortalece a autoestima e o desenvolvimento de habilidades dos estudantes. Políticas públicas como a Lei de Cotas e bolsas para estudantes negros, especialmente mulheres, são essenciais para garantir maior inclusão na ciência.