Já se pegou usando um filtro do Instagram e achando que ele te deixava mais bonita do que sua aparência natural? Pesquisa indica que mais de 60% das pessoas evitam eventos por não quererem ser vistas sem eles e, acredite, adolescentes e jovens são maioria.
"Seu rosto é normal. O que não é normal é o seu rosto com filtro. Na vida real, temos vários ângulos, imperfeições e características únicas. Às vezes, nos sentimos inseguros com o formato do perfil, com manchinhas, olheiras, dentes separados ou não tão brancos. Mas esse é o seu rosto normal."
As palavras, compartilhadas por Juvi Chagas, influenciadora não-binária em seu perfil do Instagram, são um convite à reflexão sobre como os filtros digitais têm mudado a nossa relação com a autoimagem. No último dia 14 de janeiro, a Meta anunciou o fim dos filtros personalizados no Instagram e no Facebook, mantendo apenas aqueles desenvolvidos pela própria empresa.
Embora a medida tenha sido motivada por uma reestruturação financeira, ela surge em um momento oportuno, quando os impactos nocivos dessas ferramentas estão sendo amplamente debatidos, especialmente em relação à saúde mental de jovens e adolescentes.

A realidade distorcida dos filtros digitais
Os filtros de beleza, frequentemente vistos como uma diversão inocente, têm um impacto profundo e muitas vezes prejudicial. A chamada dismorfia do Snapchat, um fenômeno em que as pessoas buscam procedimentos estéticos para se parecerem com as versões filtradas de si mesmas, é um reflexo de uma cultura digital que promove padrões irreais de beleza.
De acordo com a pesquisa Dove pela Autoestima, 84% das meninas brasileiras de 13 anos já utilizaram filtros ou aplicativos para alterar suas fotos antes de publicá-las. Entre jovens de 10 a 17 anos, 97% foram expostos a conteúdos tóxicos relacionados à beleza nas redes sociais, enquanto 74% consumiram materiais que incentivam a transformação corporal ou perda de peso. Além disso, 96% dos profissionais de saúde mental apontam as redes sociais como um fator preocupante no aumento de casos de ansiedade, depressão e autoflagelação entre os jovens.
Uma campanha criada pela Allergan Aesthetics reforça esse panorama. O estudo intitulado Assuma sua Imagem, conduzido em 2022, ouviu 650 pessoas, em oito capitais brasileiras, sendo 24% homens e 76% mulheres, entre 18 e 50 anos. O estudo revelou que 94% concorda total ou parcialmente que o uso exagerado dos filtros de imagem nas redes sociais pode fazer com que uma pessoa deixe de gostar de sua imagem "real" e passe a querer aquela imagem "virtual".
Tanto que, 40% do total usa filtros de imagem nas próprias fotos com frequência, para aparecer melhor nas postagens, enquanto 63% conhecem ou ouviram falar de alguém que já tenha deixado de sair de casa ou de ir a algum encontro por não querer ser vista na "vida real", ou seja, sem os filtros de imagem. O levantamento revelou ainda que jovens e mulheres são os públicos mais afetados, segundo 70% e 67% dos participantes, respectivamente.
Esse cenário não é exclusivo do Brasil. Em meados de 2022, a Comissão de Saúde e Assistência Social do Reino Unido, por exemplo, solicitou que influenciadores digitais avisassem quando fotos ou vídeos utilizassem filtros ou edições digitais, a fim de combater a dismorfia corporal.
Segundo os parlamentares do comitê responsável pelo relatório sobre o assunto, as imagens editadas promoviam expectativas irreais, contribuindo consideravelmente para o aumento de transtornos de autoimagem. Em contrapartida, algumas iniciativas têm se destacado por fomentar uma relação mais saudável com a autoimagem. No Brasil, projetos como o Dove pela Autoestima têm liderado esforços para conscientizar sobre os perigos dos padrões irreais de beleza.
Com campanhas como #DeCostasParaFiltros e parcerias com a UNICEF, a iniciativa impactou milhões de jovens globalmente. Além disso, ferramentas educativas fornecem suporte para pais e jovens estabelecerem uma relação mais positiva com as redes sociais, promovendo aceitação e diversidade. O aplicativo Be Real, disponível para download na App Store e na Play Store, é um exemplo: ele incentiva os usuários a postarem fotos reais, sem edições, em momentos aleatórios do dia, promovendo autenticidade e afastando a obsessão por perfeição.
Um futuro sem filtros?
A decisão da Meta de desativar filtros personalizados é um passo importante, mas não suficiente. Além da regulamentação do uso dessas ferramentas, promover debates sobre os impactos psicológicos das redes sociais são medidas necessárias para proteger as futuras gerações. A realidade exige um compromisso coletivo de empresas, sociedade civil e governos para construir um ambiente digital mais seguro.
Os filtros geram percepções distorcidas de imagem, levando as pessoas a buscarem um ideal inalcançável. A remoção deles deve ser celebrada como um marco na promoção da autenticidade e do bem-estar mental. No entanto, a verdadeira mudança dependerá de ações concretas e contínuas para educar, regulamentar e transformar a cultura digital. A beleza real não precisa de filtros. Ela está em nossas características únicas, em nossas histórias e em quem somos, sem distorções.
Precisamos ensinar as próximas gerações a valorizarem a autenticidade e a diversidade, para que possam se enxergar além das telas e reconhecer a beleza que sempre esteve presente, exatamente como ela é.