Comportamento Adolescente e Educação

Quando a questão de gênero interfere na brincadeira de criança

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Foto do author Carolina  Delboni

Há quem diga que a questão de gênero não deveria ser uma preocupação de meninos e meninas de 10 anos. Há quem diga, "por que não?". Se as próprias crianças levantaram a questão durante uma brincadeira de pátio na escola, como dizer a elas "isso é bobagem! Vocês deveriam todos brincar juntos". Não dá. Talvez porque questões como gênero, preconceito, discriminação e outros assuntos façam parte da infância deles como não fizeram da nossa. E ter isso como critério na escolha de um time, por exemplo, é algo relevante. Ainda que sejam crianças de 10 anos. Está aí uma boa oportunidade de entender e estender a conversa.

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A situação aconteceu no pátio de uma escola particular onde meninos e meninas brincavam de policia e ladrão. No time dos meninos, dois deles eram muito fortes e isso estava incomodando as meninas. Mas em vez delas convidarem um deles pra fazer parte do time, elas quiserem manter meninos x meninas. A decisão foi um ato feminista, ainda que não dito dessa forma, mas foi declarado que era. Elas não queriam mesclar os times. Queriam vencer os meninos. Ou vencer o machismo.

Um dos meninos disse que isso era feminismo - ou um ato feminista. E era, porque as palavras que estão ligadas a conceitos tão discutido por nós adultos nos dias de hoje, saíram da boca das crianças. Crianças de 10 anos trouxeram para o que poderia ser uma simples brincadeira de pátio, uma questão extremamente relevante. E eu diria: que ótimo! Afinal, não é isso que a gente quer? Crianças mais conscientes que cresçam em busca de valores mais igualitários do que os que nós, adultos, vivemos? É exatamente numa situação como essa que eles podem olhar pra questão na prática e tentar entende-la.

Esse grupo de crianças não saiu com uma solução. Por hora, resolveram não brincar mais de polícia e ladrão. Mas alguns, certamente, levaram a questão pra dentro de casa e trouxeram de bandeja um assunto que pais devem olhar. Como reconhecer no grupo de meninas um valor importante na decisão delas, mesmo que isso as colocassem em desvantagem com aquela configuração de time? E como não deixar que os meninos saiam do jogo com a sensação, ainda que inconsciente, de que são mais fortes que as meninas e eles vencem? Porque a questão é muito além da força física. Muito além do menino e menina. Está no mostrar, e provar, que as meninas são tão capazes quanto.

Brincar é coisa séria! Já diziam as crianças. E os educadores reforçam. Transitar entre o brincar individual e o coletivo dá a criança a possibilidade de ser verdadeira e espontânea. E são essas raízes da infância e essa autonomia no brincar que efetivam a base de transformação da vida social no futuro. A arte de brincar na infância se transforma na arte de viver quando adultos. E inevitavelmente isso reflete na forma como conduzimos nosso trabalho, seja individual ou em equipe.

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O paralelo aqui é claro: uma infância de livre brincar (livre no sentido da espontaneidade), naturalmente edifica um adulto pleno de suas capacidades de viver em sociedade. Gandhi dizia que a mudança que queremos ver no mundo, primeiro começa em nós. Nós, eu diria, é aqui na infância. Como pais, deveríamos ser a antítese do que o mundo tem nos mostrado. Não conduzir e educar pelo medo e sim pela coragem. Os peixes não nadam contra a maré na piracema? É assim que se gera vitalidade. Que eles brinquem livremente e possam sim discutir questões de gênero no polícia e ladrão.

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