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Opinião | Escrevendo para as paredes

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Foto do author Carlos Castelo

Crônicas para quê? Para quem?

(Grok)  

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Crônicas para quê? Para quem? Num mundo onde até um bebê que mal desmamou já se contorce em fúria ao ser privado do celular por cinco minutos. Num país onde a última vez que um brasileiro médio viu um livro foi quando ele serviu de apoio para nivelar a perna bamba da mesa da cozinha.

Ainda assim, alguns de nós -- talvez vítimas de algum desvio genético ou puro masoquismo -- insistem em escrever crônicas. Pior ainda: insistem em publicá-las.

Sim, crônicas. Aquele gênero literário tão respeitado quanto uma filipeta de pizzaria. Pequenos textos em que um sujeito se debruça sobre trivialidades do cotidiano, fazendo considerações espirituosas que ninguém solicitou. E com qual objetivo? O de serem lidas por três gatos pingados -- um dos quais é a própria mãe do autor, que, sendo honesta, apenas "deu uma olhadinha" antes de deslizar o dedo no WhatsApp para ver se a vizinha respondeu sobre aquela fofoca com o ator da Globo.

E não pense que o esforço literário é pequeno. Pelo contrário. Ser cronista exige dedicação monástica. É preciso filtrar assunto no esgoto da realidade, polir a banalidade até que pareça um bibelô de prata e, no fim, despejar tudo na internet para ser esquecido mais rápido do que promessa de político em ano ímpar.

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A cada nova crônica, o autor passa por um ritual de esperança: escreve, reescreve, revisa, revisa de novo, publica e então... silêncio. O vácuo. O nada. O texto boia solitário no mar digital, enquanto a humanidade segue interessada em vídeos sobre como descascar banana com uma colher de café.

E, mesmo consciente de tudo isso, aqui estou eu, criando um Medium exclusivamente para esse gênero. Batizei-o, com a mais pura honestidade, Escrevendo para as Paredes. Porque, pelo menos, as paredes não respondem com emojis de riso sarcástico. Elas não ignoram, não fazem scroll para pular um texto. Elas apenas existem, silenciosas e disponíveis, como um público perfeito para o cronista: mudas, mas ao menos presentes.

Então, se algum outro maluco quiser se juntar a este culto do malogro, seja bem-vindo. Vamos produzir prosa elegante para um público que não existe. Vamos lapidar frases memoráveis para leitores que jamais as lerão. Vamos, enfim, aperfeiçoar a arte de gritar no deserto sem esperar o eco.

E, quem sabe, daqui a 300 anos, um arqueólogo encontrará nossos textos em uma tumba e dirá:

-- Olha só o que encontrei, uma crônica!

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Ao que outro responderá:

-- Sim, mas o que diabos é uma crônica?

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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