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Opinião|Oceano de peixes grandes

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Atualização:

Os contistas favoritos do escritor João Antônio e uma predileção.

( Foto: Carlos Castelo)

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Fui missivista do escritor João Antônio, de 1994 até sua morte em outubro de 1996. À época, eu ainda engatinhava nas letras e o consagrado autor de Malagueta, Perus e Bacanaço era meu padrinho e mestre. Através de nossa troca de cartas, recebi instruções e dicas que nenhum curso de pós-doutoramento em Literatura Comparada poderia oferecer. Um desses, dividirei com vocês, meus seguidores. Primeiro, a lista de contistas que J.A. me sugeriu a leitura. Por último, a revelação de sua especial predileção pelo mineiro Luiz Vilela, a quem sempre me recomendava que conhecesse bem. Abaixo, trecho da primeira carta: 

"Copacabana, 41 graus, Cinzas, 16/2/94

Castelo. Prezado.

A possibilidade para o conto na literatura de um país como o Brasil é infinita. Os brasileiros trabalharam o conto em nível riquíssimo e chegaram a momentos estéticos admiráveis. Muitos são os contistas brasileiros de primeira água, hoje esquecidos. É possível um relatório caudaloso. O próprio Alcântara Machado é marco. Já escrevi sobre ele antes de 1963, talvez você nem tivesse nascido. Há quem o considere, o próprio Mário de Andrade, o maior dos prosadores do modernismo. Mas o conto brasileiro é oceano: de peixes grandes: Machado de Assis (o primeiro bailarino), Wander Piroli, Lima Barreto, José J. Veiga, Juarez Barroso, João Alphonsus, Otto Lara Rezende, Dalton Trevisan, Fernando Tatagiba, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Marcos Rey, Monteiro Lobato, Rubem Fonseca, Coelho Netto (sei o que estou dizendo), Moreira Campos, Barbosa Rodrigues, Ribeiro Couto, Afonso Arinos, Afonso Schmidt, Aníbal M. Machado, Antoninho de Alcântara Machado, Artur Azevedo, Carvalho Ramos, Ernani Fornari, Gastão Gruls, o próprio Graciliano, o próprio Mário de Andrade, João do Rio, José Veríssimo, Júlia Lopes de Almeida, Moacyr Scliar, Luiz Jardim, o próprio Aurélio Buarque de Holanda Ferreira foi bom contista, Machado de Assis (outra vez e sempre), Marques Rebêlo, Orígenes Lessa, Peregrino Júnior, Sérgio Faraco, Luiz Vilela, Simões Lopes Neto...e esqueci muitos. Então, procure ler alguns."

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Cumpre dizer que, em 94, eu acabara de deglutir (para usar um termo oswaldiano) as obras completas de António Alcântara Machado. E pedira a J.A. sua opinião sobre o autor paulistano. Por isso, a sua menção em destaque ao criador de Pathé Baby. Alguns meses depois, J.A. me enviou a correspondência a seguir:

"Copacabana, 14 /abril/ 1994.

Castelo. Prezado.

Recebo sua carta com boas notícias e xerox do conto de Luiz Vilela. O contista mineiro, que hoje vive em Ituiutaba, no Triângulo, é bom em tudo o que faz, principalmente em contos. (Ele é romancista também). O "LUXO", que agora você me envia, até não é dos melhores. Procure ler outras coisas dele, "Tremor de Terra", " No Bar" e/ou outros. Ele é muito bom, econômico, garimpador da palavra, bastante sério na fatura. Não sei se estará fixo a uma editora, mas a Ática publicou alguns livros dele. Quando passa pelo Rio, costuma me procurar e eu, uma ou duas vezes, estive em Ituiutaba, a convite de estudantes. Aquilo é outro Brasil. "

Dali para frente comecei a me versar na obra do mineiro, sempre dando razão ao padrinho, pois as qualidades artísticas de Vilela são realmente notáveis. Resta-me, por já ter excedido os caracteres de praxe, recomendar estes três livros: Tremor de Terra, O Fim de Tudo, Você Verá. 

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Que saudade dos conselhos do mentor João Antônio...

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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