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Psiquiatria e sociedade

Opinião | O preço do prazer

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Foto do author Daniel Martins de Barros

Já deixei claro por aqui que o tanto de coisas das quais eu não tenho a menor noção é enorme. Posso dizer como Millôr Fernandes:

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"Há os que não sabem antropologia e os que ignoram trigonometria. Mas só de mim ninguém pode falar nada: minha ignorância não é especializada".

Enologia é um desses campos que me parecem misteriosos. Ouvir gente descrevendo as propriedades organolépticas, a complexidade e o teor de tanino de vinhos em goles tão pequenos me faz pensar como cabem tantas palavras em tão poucos mililitros. Quem não entende tanto como os connoisseurs chega a ficar desconfiado: será que esses caras não estão enrolando a gente? Pois descobriu-se que embora eles não estejam tentando nos enganar, também não estão sendo totalmente sinceros. Eles estão enganando a si mesmos, como denunciou a desconcertante pesquisa feita na Universidade de Bordeaux: com a justificativa de verificar a diferença entre o vocabulário utilizado para descrever vinhos brancos e tintos, os cientistas pediram a 54 especialistas que identificassem os odores típicos de cada um deles; no entanto, em vez de oferecer os dois tipos de vinho, ofereceram apenas o branco. O vinho "tinto" era vinho branco com corante, e mesmo assim nenhum dos experts notou a diferença, identificando nele as características exclusivas dos tintos. O estudo foi entitulado "As cores do cheiro", provando a existência de uma ilusão perceptual na qual um sentindo (visão) inflenciou fortemente outro (olfato) (I).

Eu mesmo fui vítima de um auto-engano desse tipo nesse carnaval, visitando grandes amigos no Chile.

Almoçando dentro de uma vinícola, foi-me dito que o vinho Malbec daquela empresa ganhara um importante concurso, sendo eleito o melhor do mundo. E eu, que não sei a diferença de Malbec e Cabernet, vi-me diante de uma garrafa de milhares de Pesos Chilenos (cujo câmbio de 300 para 1 frente ao Real fazia parecer o preço ainda maior). Apesar da ignorância assumida, no entanto, consegui saborear o vinho, em grande parte graças a essa ajuda do preço alto: num estudo mais recente, cientistas da Califórnia realizaram Ressonância Magnética Funcional em vinte sujeitos para ver o que acontecia no cérebro quando experimentavam vinhos de diferentes preços. Mas sem que os sujeitos soubessem o mesmo vinho era oferecido duas vezes, em garrafas marcadas com preço baixo ou alto. O resultado foi não apenas a melhor avaliação subjetiva dos vinhos caros, mas também objetivamente a região do córtex órbito-frontal medial, conhecida por estar envolvida na identificação de prazer em diversos contextos, foi consistentemente mais ativada quando os voluntários achavam que estavam bebendo o vinho mais caro (II).

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Portanto, tomar um vinho levando em conta o seu preço - alto - ajuda o cérebro a valorizar a experiência. E mesmo que não haja tanta diferença entre as bebidas, pode valer a pena pelo prazer do momento.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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