A senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, prepara-se para tentar derrubar no Senado artigos incluídos na MP 458/2009, que ela vê como desconectada da realidade fundiária encontrada na Amazônia Legal. "Quem estuda a situação fundiária sabe que, no caso da Amazônia, em menos de dez anos a terra é novamente concentrada nas mãos de poucos." A seguir, trechos da entrevista. Por que a sra. é contra esse texto que passou na Câmara? Primeiro, dificilmente a pessoa vai declarar que a posse é ilegal, que a ocupação não foi mansa e pacífica. Outro aspecto é que, para passar a terra pública para um particular, há dois requisitos constitucionais: quando se trata de altíssima relevância social e quando cumpre com a função social da terra. Os que entraram ilegalmente e usaram violência não cumprem a função social, e quem tem posses e não há nenhum problema social a ser atendido também não cumpre esse preceito. Além disso, foi estabelecido que, após três anos, pode haver a venda da propriedade. Isso cria uma espécie de processo de enxugar gelo. Quem assegura que ele não vai grilar nova terra para, daqui a alguns anos, outra MP legalizar o acesso novamente? Os posseiros não têm direito à terra onde trabalham há tantos anos? Quem estuda a situação fundiária sabe que, no caso da Amazônia, em menos de dez anos a terra é novamente concentrada nas mãos de poucos. Há um processo muito grande de concentração, até mesmo em projetos de assentamento. E também sabemos que há a figura do laranja, que divide uma propriedade com o cunhado, com o vaqueiro... O MDA diz que haverá um sistema anônimo de denúncia para evitar os laranjais. Qual é sua opinião? A história não tem sido favorável com os poucos que conseguem denunciar. Os que ousam, mesmo os que fazem parte de alguma organização, que têm certa visibilidade e proteção social, são assassinados. O Estado é uma estrutura enorme e mesmo assim é impotente diante da violência. Não dá para o Estado se esconder atrás de pessoas vulneráveis. O sistema é anônimo, mas os problemas têm um território. Os que conhecem o problema ficam muito próximos. As pessoas comuns não vão fazer isso (denunciar). Qual é o impacto ambiental que podemos esperar da MP 458? Essas pessoas terão crédito, não importa se houve boa-fé ou não na ocupação. Isso se reveste também em remoção da floresta. Minha crítica não é contra a regularização fundiária. Dentro de uma estratégia de ordenamento territorial, ela contribui para diminuir ilegalidades e o desmatamento. Se não for associada ao zoneamento ecológico-econômico e ao ordenamento territorial, ela pode ter um grande impacto sim. Mas só vamos poder medir esse impacto nos próximos cinco, sete, oito meses. O texto tinha alguns problemas e outros foram agravados na Câmara. Espero que no Senado a gente possa corrigir essas questões. O relator é que vai dizer se há prioridade para reparo desses problemas ou não.
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