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Mais perto da prole

Para dedicar maior atenção aos filhos, elas têm trocado carreiras de sucesso pelo trabalho em casa como free Lancer

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Estudo aponta para um novo comportamento feminino, que também se estende às brasileiras: mães que abandonam cargos de prestígio em empresas para trabalhar em casa, como free lancer, e ter mais tempo para os filhos. Uma investigação encabeçada pela The Haystack Group, empresa de comunicação e pesquisa baseada em Atlanta, partiu de dados do censo americano, os quais apontam uma queda significativa no número de mães com filhos menores de um ano que trabalham fora de casa. Inicialmente, imaginou-se que as "working mothers" (mães que trabalham), termo usado para designar esse segmento, estavam regressando ao lar para assumir o tradicional posto de mães em tempo integral. Porém, após uma análise mais profunda dessa questão, percebeu-se que esse movimento mostrava uma nova versão da maternidade - além da mudança dos tempos. Para a geração do pós-feminismo, o conceito de trabalho representava a jornada tradicional na empresa, com as crianças sob os cuidados de uma babá ou na escola. Essas profissionais exemplificavam bem a vida frenética feminina, na tentativa de conciliar profissão, casamento, filhos, marido e tarefas domésticas. No entanto, as filhas dessas mulheres, que acompanharam a dura jornada de trabalho de suas mães, começaram a questionar até que ponto vale a pena tamanho esforço. "Passaram a buscar um novo formato para essa fase de suas vidas", explicam Denise Gallo e Renata Petrovic, sócias da Uma a Uma, empresa de pesquisa, especializada em consumo e comportamento feminino. "Também desejam fazer tudo e são ambiciosas profissionalmente, mas têm uma concepção mais livre do caminho que querem seguir, estabelecendo diferentes prioridades nos vários estágios da vida. Por isso, passaram a buscar outros formatos profissionais, fora das corporações." A partir da pesquisa norte-americana, citada no livro Trillion-Dollars Moms: Marketing to a New Generation of Mothers (Hardcover) e divulgada no blog da Uma a Uma, Denise e Renata decidiram também investigar o que acontecia no Brasil. Entrevistaram 20 mulheres, mães que largaram suas carreiras promissoras para ficar mais tempo com os filhos. Como esse movimento também existe entre as brasileiras - principalmente as mais escolarizadas e de melhor poder aquisitivo -, as sócias quiseram saber sobre os conflitos que antecedem a difícil decisão de voltar para casa (leia texto na página ao lado). Haja conflito. A figurinista Ana Morelli, de 42 anos, era sócia de uma produtora e agência de publicidade, ganhava uma nota preta, não reclamava da pesada jornada de trabalho, nem dos telefonemas que recebia bem tarde da noite e nos fins de semana. "Era casada e sem filho, então não me importava, queria mesmo era investir na carreira", lembra. "Quando fiquei grávida, imaginava que continuaria nesse ritmo numa boa após o nascimento do meu filho. Mas fiquei maluca ao descobrir a força do amor materno." A maternidade foi o princípio de uma grande transformação em sua vida. Mais do que isso, uma revolução. Inebriada por aquele serzinho - o Martim, que hoje está com 4 anos -, Ana se sentia angustiada com a idéia de voltar a trabalhar e, ainda por cima, naquele ritmo insano. Queria curtir ao máximo o filhote. A contragosto, regressou ao batente com o fim da licença-maternidade, mas aquela funcionária exemplar não existia mais. Como morava perto do trabalho, fazia questão de dar fugidinhas (freqüentes) para amamentar o bebê. O patrão e sócio levou um baque com a transformação de sua pupila. - Entrei em crise. Queria abandonar o trabalho, porque não tinha mais prazer. Era o salário que me segurava. Precisei entrar na terapia, mas só consegui pular fora quando fui demitida. Lembro muito bem daquele dia chuvoso, em que agradeci por ter sido dispensada, pois demoraria mais para tomar a decisão. Logo em seguida, engravidei novamente, e recusei várias outras propostas de trabalho porque já sabia que o pior pesadelo seria voltar a trabalhar naqueles moldes tradicionais. Barriguda, Ana curtiu a gravidez e virou "do lar". Com uma renda a menos, a família teve de se adaptar. Sem poder manter o padrão de vida de outrora, o jeito foi cortar gastos. Sofia nasceu. Embora Ana se sentisse ótima na sua nova realidade - com menos dinheiro, mas com mais tempo para os filhos -, sua única certeza era a de que não seria dona de casa para sempre. Mas não conseguia enxergar uma outra alternativa de trabalho. Até que um dia, vendo uma revista de decoração, se encantou com a história de uma design de patchwork e se matriculou num curso. Sofia, que era um bebê e hoje tem 2 anos, ficava no colo da professora enquanto ela aprendia o ofício. Como no currículo de Ana constava um curso de moda em Nova York e experiência como figurinista, ela se "encontrou" entre os retalhos. Hoje vende suas lindas colchas, almofadas e afins em bazares e pelo seu site (www.anamorelli.com.br). A casa de sua mãe se transformou em ateliê, lugar que vive animado com a presença dos filhos - sempre assessorados por babá. E o negócio está crescendo. EMPREENDEDORAS De acordo com pesquisa divulgada pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ) e realizada pela GEM (Global Entrepreneurship Monitor), que rastreia o empreendedorismo em 31 países do mundo, aconteceu um grande salto feminino nesse segmento. O percentual de pequenos negócios abertos por elas saltou de 29%, em 2000, para 46%, em 2003. Enquanto os homens investem em um novo empreendimento mais por oportunidade, grande parte das mulheres arregaçam as mangas por necessidade. A maioria das brasileiras é mãe (51%), segundo pesquisa realizada pelo IBOPE Mídia, chamada Mães Contemporâneas, na qual foram analisadas mulheres das oito principais regiões metropolitanas do País. Do total de mães, 68% acham difícil conciliar trabalho, maternidade e casamento. Para as que trabalham (67%), a profissão significa realização pessoal (90%) e independência (81%). Porém, mais da metade das entrevistadas gostaria de dedicar mais tempo aos filhos. A vontade de acompanhar mais de perto o desenvolvimento dos filhos pode ser um dos motivos pelos quais o empreendedorismo feminino vem ganhando força. A economista e atual empresária Stella Reis Ventura, de 49 anos, comanda de casa os preparativos da Mostra de Acessórios, realizada periodicamente em São Paulo. Detalhe: ela tem outras três sócias, mas cada uma trabalha em seu canto, em vez de se reunirem diariamente em um escritório. Reuniões são realizadas via skype, com auxílio de câmeras digitais, MSN, entre outros recursos de informática. "Passei por grandes empresas, mas gosto dessa liberdade e, claro, de estar mais tempo com meus filhos. Dificilmente voltarei àquela vida de horários rígidos de empresas", avisa Stella, mãe dos gêmeos Guilherme e Fernanda, de 5 anos. "Tenho espírito empreendedor, característica pouco valorizada em grandes empresas, nas quais precisamos nos enquadrar e, portanto, nos limitar. E como adoro trabalhar, não abriria mão disso por causa de filhos." A rotina de Stella é realmente sedutora. A manhã é toda voltada para os filhos. Enquanto almoçam, a empresária adianta o expediente, olhando os e-mails. Depois, leva os dois até a escola, volta para casa, almoça e se dá ao luxo de descansar 10 minutos cravados no relógio. Disciplinada (só assim para encarar uma rotina sem chefe), engata no batente e não pára. Quando as crianças retornam, lá pelas 18 horas, encerra o trabalho ou volta para o computador depois de colocá-los para dormir. Apesar da proximidade com os rebentos, é comum essas mães contarem com a ajuda de babás e empregada, sem as quais seria muito mais difícil conseguir tempo necessário de isolamento. Adriana Martins, de 37 anos, se segura para não interromper o trabalho quando escuta o filho chorar na sala, apesar de estar sob os cuidados de uma babá. "Não posso largar o serviço toda hora", avisa. Ela sabe muito bem como administrar filho e trabalho. Tanto é que foi uma das palestrantes do Primeiro Encontro de Mulheres Contemporâneas, realizado em setembro. Contou para as mais de 300 participantes como aconteceu sua virada, e deu dicas para quem sonha com tal possibilidade. Ainda solteira, Adriana encarnava a executiva e, como muitas, vivia na ponte aérea. Não reclamava, afinal, morava sozinha em São Paulo e sua família estava em outra cidade. Quando se casou, as passagens da viagem de lua-de-mel foram pagas só com as milhagens acumuladas dela. A superfuncionária decidiu mudar de vida depois de um baita susto, no final da gravidez. "Estava atrasada para uma reunião, num táxi que derrapou e o carro parou numa das muretas de uma ponte", lembra. "Foi o momento em que resolvi dar um basta." Após alguns ajustes, Adriana montou seu escritório em um dos quartos do apartamento onde mora e assumiu, como free lancer, tarefas em duas empresas. Como seu tempo continuou apertado - e era justamente isso que não queria -, dispensou um dos trabalhos e, hoje, serve apenas a uma empresa americana, sediada em Santa Monica, na Califórnia. Volta e meia, é também convidada para dar cursos e palestras na área de marketing. Além da tecnologia como aliada indispensável, o apoio do marido também conta muito. - Ele tem uma rotina profissional corrida, por isso fica aliviado em saber que nosso filho está sob meus cuidados. É claro que, nós mulheres, temos mais propensão a assumir esse papel e fazer concessões que venham ao encontro do nosso aguçado instinto maternal. Mas isso não significa que o homem não possa assumir esse posto quando esta é a melhor opção para o casal. Acho que o ponto central é questionar se não damos exagerada atenção ao sucesso profissional e financeiro em detrimento do convívio familiar. Minha conclusão é a de que vale a pena abrir mão de certas coisas para ampliar esse convívio.

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