O diabinho da relação

Em níveis excessivos, o ciúme pode causar desgastes entre o casal e até a implosão de relacionamentos

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Por Fabiana Caso
4 min de leitura

Tema de músicas e de conversas femininas que duram horas, o ciúme tira o sono e faz alguns arrancarem cabelos. Em níveis drásticos, pode até motivar crimes passionais. Alguns consideram o sentimento nocivo, enquanto outros afirmam que é até desejável para apimentar o relacionamento amoroso. Nos anos 60, quando o amor livre fazia parte do ideal de muita gente, era visto como uma aberração possessiva. Já no século 21, permeia as relações em graus variados - de um saudável sentimento de guarda pelo parceiro até o nível da obsessão. O psicólogo norte-americano David Buss, da Universidade do Texas, defende que o ciúme é um sentimento totalmente necessário. Autor do livro A Paixão Perigosa (Editora Objetiva), entrevistou pessoas no mundo e concluiu que, se não fosse o ciúme, a humanidade não teria gerado vida por meio de casais e famílias. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), conduzido pelo pesquisador e psicólogo Thiago de Almeida, concluiu que, quanto mais ciumento é o parceiro, maior a chance de infidelidade do outro. Coletou respostas de 45 casais de namorados heterossexuais paulistanos, com média de idade de 24 anos, que estavam juntos há pelo menos seis meses. Depois de três meses, voltou a fazer as mesmas perguntas sobre ciúmes e infidelidade. "Os que tinham um grau excessivo de ciúme foram os que tiveram o maior grau de infidelidade dos parceiros." Segundo o psicólogo, o comportamento de um ciumento obsessivo "provocaria" a infidelidade não só por estimular um clima ruim no relacionamento, mas também por acabar influenciando o comportamento do outro. "São criadas expectativas de traição, comunicadas de uma forma sutil, que, muitas vezes, se realizam", resume. Os resultados também indicam que não há diferença significativa de graus de ciúme entre homens e mulheres. Para Thiago, o ciúme natural vira patologia quando o sentimento se torna onipresente. "É patológico quando tudo é uma ameaça, quando se tem ciúmes até dos irmãos e de pessoas da família, os telefonemas são constantes para saber onde a pessoa está e o que está fazendo e, geralmente, se vasculha a intimidade do outro. São casos de codependência", comenta. "O ciúme sempre existe em algum grau. Mas é necessário adequar as relações ao século 21, porque hoje as pessoas costumam ter uma história de vida que pode incluir ex-parceiros e filhos." A coordenadora do Núcleo do Casal e Família da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Magdalena Ramos, faz coro. Psicóloga e terapeuta de casais, fala que o ciúme permeia todos os relacionamentos, não só os amorosos. "Pode até representar um certo tempero para a relação, quando, por exemplo, a mulher sente que o homem com quem está é cobiçado por outras. Desde que isso não venha acompanhado de um grande sofrimento", diz. "Mas quando passa a ser exagerado e constante, é sinal de que outra coisa está acontecendo." Geralmente, acrescenta ela, existe a conivência do parceiro, seja homem ou mulher. "Inconscientemente, o outro pode gostar de ser alvo de ciúmes, pois sente-se mais querido." Madaglena diz que este sentimento pode ser alimentado por um parceiro que deixa certas frases no ar: conta, por exemplo, que conversou com o ex-namorado, sem explicar o teor da conversa. DOS DOIS LADOS O advogado e empresário Amaurício Wagner Biondo, de 45 anos, e a consultora de estética Rosane Zanella Biondo, de 42, têm experiência de ciúme recíproco. Moram em Campinas e ambos têm um passado significativo: este é o terceiro casamento dela, que tem um filho de 22 anos, e o segundo dele. Juntos há dois anos, discutem quase diariamente por causa do ciúme - de ambas as partes. Amaurício admite que é ciumento. O que desencadeia suas crises são respostas evasivas dela. "Acho que tem a ver com uma carência afetiva", desabafa ele. Alvo de ciúmes em seu primeiro casamento, do tipo ligações dez vezes por dia, num primeiro momento ele se sentiu incomodado, mas quando a ex-parceira parou de fazer isso, sentiu saudades. "Eu e a Rosane trouxemos uma bagagem de 40 anos de vida, então houve um conflito no início." Mas, segundo ele, hoje se sente seguro no atual casamento. Já Rosane diz que Amaurício tem ciúmes até do filho dela - apesar de ele não morar com o casal. Conta que, no segundo relacionamento que viveu, decepcionou-se com a infidelidade do parceiro. "Acho que fiquei um pouco traumatizada com essa experiência. Nunca senti o ciúme tão aflorado como no meu atual casamento, me sinto uma adolescente e não consigo manter a classe." O maior motivo de ciúme é vê-lo conversando com outras mulheres, especialmente se forem mais novas. "Costumo vasculhar os e-mails e as ligações do celular dele. Quando vejo que são de mulheres, simplesmente deleto." Ainda discutem quase todo dia por causa de ciúmes. "É um sentimento horrível. É bom cuidar do outro, mas não dessa forma exagerada." O casal fez terapia durante um mês. A experiência foi positiva, mas acabaram abandonando o tratamento. "Estamos construindo uma casa e tivemos de poupar, mas eu acho que ele deveria continuar porque precisa mais, e ele diz que eu é que devo fazer." TEMPERO Já a decoradora Ana Flora Ferreira de Oliveira, de 33 anos, pensa que o ciúme é um componente essencial para apimentar a relação. Separou-se há poucos meses, mas diz que não era ciumenta demais. "Tinha ciúmes dentro da normalidade, principalmente quando ele dava aquela espichada de olho para outras mulheres", lembra ela, que costumava fechar a cara quando isso acontecia. "O ciúme reforça a atração física e representa o orgulho de estar com aquela pessoa, mostra que você quer ela só para você. Ter um pouco de controle em saber onde a pessoa está é bom, assim ela se sente mais amada." Para ela, pior é o parceiro que não demonstra ciúme nenhum. Mais jovem, o assistente de controladoria José Roberto Robin, de 29 anos, morde-se de ciúmes da namorada, a estudante de Veterinária Gemima. Estão juntos há dois anos. Se ela tem que fazer algum trabalho de faculdade com os amigos, diz que vai sair com eles ou recebe ligações, a temperatura sobe. "Sempre tem algum recadinho no Orkut dela desses amigos que são ex-namorados. Nem sempre ela me fala diretamente que são ex-namorados, eu preferiria que fosse assim", diz ele, que entra diariamente no site de relacionamento para checar as mensagens enviadas para ela. "Brigamos bastante por causa disso. Às vezes, ficamos dois ou três dias sem nos falar." Roberto liga para Gemima cerca de 10 vezes por dia, segundo as próprias contas. Mudou até para a mesma operadora de celular da namorada, como forma de economizar nas ligações. "Ela comprou alguns livros sobre ciúme e estamos lendo juntos, para tentar superar isso. Temos brigas à toa, que podem atrapalhar passeios e viagens", fala.

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