Quem olha para os estudos brasileiros divulgados em publicações científicas com novidades em bioprospecção pode ter uma falsa idéia de que tudo aquilo vai virar medicamento. Na verdade, o caminho para chegar à indústria é muito mais longo e tortuoso do que o já difícil processo de garimpagem da natureza. A começar pelo fato de que ele perverte a velha noção da ciência de que, ao descobrir uma novidade, o pesquisador deve torná-la disponível ao seus pares. Para a indústria, a regra é outra: patentear primeiro, publicar depois. "Se não proteger a descoberta, ninguém investe", explica William Marandola, gerente executivo da Coinfar, empresa de pesquisa e desenvolvimento que une as farmacêuticas Aché, Biolab e União Química. O problema é que patentear uma descoberta não é algo tão trivial assim. Ao menos no Brasil, o pesquisador não pode simplesmente registrar o achado de uma molécula que tem uma determinada ação. É preciso avançar no seu desenvolvimento, fazer algum melhoramento, criar um sintético etc. Mas a maior parte dos laboratórios não tem condições de fazer isso. "É o que chamamos de vale da morte da ciência", afirma o diretor do Centro de Toxicologia Aplicada (CAT), Antonio Carlos Martins de Camargo. "Não adianta só o pesquisador encontrar uma substância interessante, um potencial anti-hipertensivo, por exemplo. A indústria não está interessada, porque tem um monte por aí. Mas, se ele faz todo o desenvolvimento inicial da molécula, mostra exatamente onde ela age, se pode ter efeito colateral, se é biodisponível, quais são suas vias de ação, se compara com os análogos, aí pode haver interesse. Mas bem poucos centros fazem tudo isso." Empresas como a Coinfar têm assumido um pouco esse papel. Desde 2003, ela financia pesquisas conduzidas em universidades e institutos brasileiros, como o Butantã e o Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (Nubbe), da Unesp. No momento, sete substâncias derivadas de venenos e toxinas animais estão em avaliação. Os mais promissores são um analgésico e um antitumoral (leia texto abaixo). "Nos editais que abrimos, recebemos muita coisa boa, que poderia render novas drogas, mas algumas já foram publicadas. Quando isso ocorre, o conhecimento se torna público e não temos como patentear. Aí já era. A indústria não se arrisca", diz Marandola. FALTA DE VISÃO INOVADORA Além da falta de infra-estrutura e de investimento para o desenvolvimento, Camargo acredita que existe um impedimento para o avanço tecnológico na própria postura dos pesquisadores. "Acho que, de certo modo, o cientista brasileiro ainda se comporta como o estudante adolescente que se contenta em tirar boas notas na escola e não em fazer uso desse conhecimento", afirma o pesquisador. "Às vezes, eles chegam a alguma coisa interessante, mas nem percebem que têm um potencial medicamentoso importante nas mãos." Além disso, pesa o fator tempo de dedicação ao produto, comenta o farmacologista João Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina, um dos pais do primeiro fitomedicamento 100% brasileiro, um antiinflamatório à base de erva-baleeira. "Entre descobrir uma substância e publicá-la, o pesquisador gasta, em média, um ou dois anos. Para fazer inovação, ele leva dez", comenta Calixto. Ele diz que dependeu da iniciativa própria para chegar até a indústria e desenvolver suas pesquisas. Atualmente, trabalha com plantas com potencial de ação para vitiligo e câncer (mais informações na página 3). Fora a problemática dos pesquisadores, Camargo lembra que, por décadas, a indústria farmacêutica também não se preocupou com inovação. "Acostumada ao lucro fácil e rápido, as empresas apenas reproduziam os produtos criados no exterior", diz. Somente nos últimos anos é que começaram a buscar produtos locais, com base na biodiversidade. "Elas faziam apenas inovações incrementais, pequenas modificações de moléculas desenvolvidas fora do Brasil. Isso quase não pede desenvolvimento científico e tem pouco impacto na geração de riquezas. As empresas também estão aprendendo a investir em pesquisa." Mas, para o pesquisador, também falta a contrapartida do governo brasileiro em oferecer um arcabouço legal que dê proteção suficiente para as empresas se arriscarem a fazer esse tipo de investimento.
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