Bastou apenas um minuto com as mãos submersas num vasilhame com água gelada para que a artista plástica Deise Demarchi, de 47 anos, descobrisse o que há tempos lhe intrigava. O teste feito dentro do consultório médico revelou que os dedos pálidos e gelados que tantas vezes lhe haviam causado formigamento - e até retardado o sono - não eram somente resultados de estímulos naturais provocados pelo frio, mas tinham uma explicação e um nome científicos. Após o ´banho de água fria´, o médico mediu três vezes, em intervalos de alguns minutos, a temperatura de uma das mãos da artista plástica. Como o ponteiro nem sinalizava atingir o grau ideal, o diagnóstico não tardou a chegar. Deise sofria da síndrome de Raynaud, uma moléstia funcional (sem lesão orgânica) que surge, principalmente, em pessoas hipersensíveis ao frio. ´Sinto como se minhas mãos e meus pés estivessem adormecidos. Parece que o sangue não chega na ponta dos dedos. Fica tudo branco, às vezes roxo, e congelado´, relata Deise, que, nos dias mais frios, não dispensa uma bolsa de água quente nos pés na hora de se deitar. ´Se os meus pés não esquentam, não consigo dormir´, completa ela. De acordo com o presidente nacional da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), Airton Delduque Frankini, a síndrome de Raynaud caracteriza-se por um conjunto de sintomas (dor, palidez, formigamento e dormência) que atinge sobretudo os dedos das mãos - dos pés, em menor escala -, provocado pela contração dos vasos sanguíneos responsáveis pela irrigação destes membros. Dependendo da causa da obstrução das artérias, a síndrome pode sofrer duas classificações. ´A doença de Raynaud ocorre quando não se diagnostica nenhuma outra moléstia responsável pela existência dos sintomas. Já o fenômeno ocorre com as mesmas manifestações, mas como resultados de alguma outra doença pré-existente, geralmente ocasionada pelo frio, pela umidade ou pelo estresse´, explica Frankini. Segundo o cirurgião vascular do Hospital das Clínicas Celso Ricardo Bregalda Neves, a síndrome de Raynaud atinge até 3% da população mundial. Deste total, 80% são mulheres. Ele conta que a maioria dos casos ocorre na faixa etária entre 15 e 25 anos, para a doença, e acima dos 35 anos para o fenômeno. Já o tratamento da doença, quando não há uma outra moléstia causadora, resume-se à prevenção. ´Aconselhemos aos pacientes tentar manter a mão aquecida, evitando tomar friagem ou ter contato com objetos gelados.´ A dica está sendo seguida à risca pela empregada doméstica Ana Maria Costa da Silva, de 34 anos, que descobriu somente na última semana que figurava nas estatísticas das mulheres que sofrem da síndrome. ´Desde 2001, comecei a sentir os meus dedos gelados e roxos. Teve uma manhã que não consegui abrir a geladeira porque não tinha força nos dedos. Agora, uso luvas para fazer tudo que tem contato com água gelada´, relata. Cansada de ouvir certos comentários de amigos e parentes, como ´sua mão parece de defunto´, ela recorreu a uma dermatologista antes de ouvir pela primeira vez de um cirurgião vascular o nome da doença que tinha. ´Conheço várias pessoas que também têm e não sabem. Ela (a doença) piora muito quando faz frio. Os dedos começam a ficar amarelados e depois o problema vai se espalhando pela mão, até ficar roxo e começar a formigar´, revela a empregada. O fenômeno de Raynaud Também classificada como síndrome secundária, o fenômeno de Raynaud está sempre associado a uma outra doença que provoca a contração das artérias que irrigam os membros e os dedos, como artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, clerodermia, etc. Os médicos consideram o fenômeno um pouco mais grave do que a doença de Raynaud porque as moléstias causadoras provocam coágulos e entupimento dos vasos, que podem resultar em lesões nas paredes arteriais e até levar à gangrena nas pontas dos dedos. A incidência do fenômeno é mais comum em mulheres com idade superior a 35 anos. O tratamento indicado para combater a síndrome varia conforme a doença causadora A doença de Raynaud Denominada síndrome primária, a doença de Raynaud se dá pela contração mais intensa e prolongada dos vasos sanguíneos que alimentam mãos e pés quando estes são expostos a baixas temperaturas. Não há entupimento e nem obstrução dos vasos. A doença é benigna, não está associada a nenhum outro mal e caracteriza-se pela descoloração linear e queda de temperatura nas extremidades do corpo, causando formigamento e até dores. Como fatores desencadeantes da doença, os médicos apontam a hipersensibilidade ao frio, o estresse, a cafeína e nicotina (causam constrição dos vasos) e até o uso de descongestionante nasal. A incidência é maior em mulheres entre 15 e 25 anos de idade
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