Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião | Alienação é não brincar Carnaval

No Carnaval a vida é para ser vivida ao contrário ? e, assim, torna-se mais verdadeira

PUBLICIDADE

Foto do author  Renato Essenfelder

Viva, queridas leitoras, como estão?

Tristes com o fim do Carnaval? Indiferentes?

Dependendo de onde você estiver, talvez nem tenha acabado o Carnaval. Tem lugar em que ele mal começa, tem lugar em que ele (quase) não para, estendendo-se no tempo como um gato que se estica todo para ocupar metade da cama, preguiçosamente.

Em Portugal, o Carnaval é curto. Lamentei, mas:

Publicidade

O engraçado é que sempre fui meio alheio à festa.

Achava que não era a minha praia, não era o meu palco. Quer dizer, não é -- se a gente pensa em Carnaval como quem pensa em Sapucaí, axé, suor e purpurina. Essas coisas eu realmente demorei a conhecer, e ainda tateio.

Afinal, nasci em uma cidade fria, fechada e formal: Curitiba, a tal.

 

Baile de Carnaval com maracatu, frevo e que tais, no Instituto Pernambuco, no Porto, 2025; militando pela normalização do pijama de gatinhos  

PUBLICIDADE

 

Por conta desse acidente geográfico, fui criado sem muito Carnaval. O samba era coisa que a gente via pela TV, pelo noticiário, na transmissão festiva dos desfiles. Era estranho e distante. Era, para ser franco, uma chatice, porque interrompia a programação normal das coisas, os meus desenhos animados, filmes e novelas.

Eu ouvia coisas do tipo: Curitiba é boa no Carnaval porque fica vazia.

Publicidade

Quando meus pais inventavam de descer para o litoral, enfrentávamos horas de congestionamento. O Carnaval era um feriado de estrada cheia e barulho na TV.

Quem diz que São Paulo é o túmulo do samba, não conheceu Curitiba nos anos 1990.

Assim, era natural que para mim o Carnaval fosse um estranho, alguém que eu via de relance, em telas e páginas de jornal. A ignorância andava ao lado do preconceito.

Foi em São Paulo, ironicamente, que fui apreendendo melhor aquele fenômeno. Anos depois, crescido e inserido numa rotina exaustiva de trabalho, fui apresentado ao Carnaval. A um outro Carnaval, que não tinha nada a ver com os desfiles na TV.

Entendi, aos poucos, a festa. Não apesar da minha rotina enlouquecida de trabalho, mas justamente por causa dela.

Publicidade

Meus amigos paulistanos e imigrantes, jornalistas, artistas, professores, eram loucos por Carnaval. Pintavam o rosto, tiravam a roupa, iam para a rua. Balançavam de lá para cá, bebendo, falando alto, flertando e dançando.

Não eram mais funcionários. Eram palhaços, loucas e meretrizes.

Eram felizes.

O Carnaval não era desfile, não era samba e Sapucaí. Era uma outra coisa que só se manifestava na rua, na mistura. Uma coisa pulsante como a própria vida.


Publicidade

No Carnaval a vida é para ser vivida ao contrário. Por três dias invertemos papéis. A vida reservada, regrada, é subvertida.



Se você leu até aqui, meu especial obrigado!

Se ainda não é assinante da minha newsletter, considere fazê-lo agora mesmo, aqui.

Publicidade


Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.