Miguelito, 'cópia' de Chaves que foi ao ar pela RedeTV! durante menos de uma semana, completa 20 anos de sua estreia, em 17 de julho de 2000.
O programa, uma co-produção entre a GPM [Gugu Produções Merchandising], produtora de Gugu Liberato que tinha Beto Carrero como sócio, e a Câmera 5, de Elias Abrão, irmão da apresentadora Sonia Abrão, foi adiado diversas vezes acabou sendo 'repassado' à RedeTV! após desistência da Record. Vinte anos depois, o E+ conversou com o protagonista Eduardo Estrela sobre a época das gravações e os motivos de o programa não ter dado certo.
Miguelito x Chaves
A história girava em torno de Miguelito, um jovem que vivia em uma vila, onde interagia com seus amigos Bolão (David Fantazzini), Lilica (Ana Andreatta) e Marquinhos (Davi Taui), que tinham características semelhantes a Nhonho, Chiquinha e Kiko, do seriado mexicano. Confira na galeria abaixo uma comparação entre o visual de personagens das séries:
Negando comparações com Chaves
"Tinha uma coisa de não assumir que era em cima do Chaves. Óbvio que era em cima do Chaves. Os caras [pediram]: 'não fala nada, não fala do Chaves'. Mas como?", relembra Eduardo Estrela sobre coletiva feita pela Record em 4 de janeiro de 2000, quando houve o anúncio do programa. "Lá fui eu tentar dar uma entrevista, primeira coletiva de televisão e eu tentando falar que não era o Chaves. Aí ficou muito patético quando eu falei que nunca tinha visto Chaves. Mas isso é a mais pura verdade", continua. Na coletiva, estavam presentes além de membros do elenco, o diretor Milton Neves [não confundir com o homônimo jornalista esportivo] e o supervisor Homero Salles, que explicava que "a ideia de criar o programa surgiu em uma reunião da TV Record com a produtora". O que mais chamou atenção foi justamente a tentativa de negar a inspiração em Chaves. "Enfrentamos o mesmo preconceito quando lançamos a Escolinha [do Barulho, 'cópia' da Escolinha do Professor Raimundo dirigida por ele]", reclamava Salles.
"As diferenças entre os programas vão ficar evidentes no ar. Nosso desafio é fazer um programa que tenha a mesma aceitação de Chaves. As comparações serão inevitáveis, mas o formato dessas atrações não é novidade", continuava. Segundo ele, "a inspiração foi Vila Sésamo, mas basta vestir adulto com roupa de criança que já comparam com Chaves." Neves seguia o embalo: "Chaves não foi a primeira e nem será a última atração televisiva a se passar em uma vila. O nome do personagem pode não ser muito brasileiro, mas é uma homenagem aos nossos amigos de países vizinhos." Em 2000, Estrela dizia ter se inspirado em Oscarito e Stan Laurel para compor o personagem. Questionado sobre Chaves, respondia: "Por incrível que pareça, nunca assisti". "Não gosto desse tipo de produção, nem de programas dublados, tenho preconceito", completava.
Vinte anos depois, o ator confirma sua fala e ressalta que ainda não assistiu ao seriado mexicano: "Até hoje não tenho o 'tesão' [em assistir]. Tentei ver um episódio inteiro... Vocês vão achar estranho, mas é verdade! Acho uns puta atores, óbvio, mas não é uma coisa que me atrai."
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Miguelito cancelado pela Record
Segundo a revista Veja em 26 de janeiro de 2000, "o projeto é ambicioso. Gugu e Carrero pretendem receber convidados internacionais no programa, com o intuito de exportá-lo para países da América Latina, justamente no vácuo do Chaves, que não é mais produzido". À época, a GPM produzia a Escolinha do Barulho, na Record, e o Programa Olga Bongiovanni, na Band.
Na prática, o resultado foi bem diferente. Inicialmente, o programa estava previsto para estrear em 31 de janeiro. Dias antes, o lançamento foi cancelado e repassado para o mês de março.
Na segunda quinzena do mês, porém, a atração já estava praticamente descartada pela Record, por conta dos elevados gastos. "Após o piloto ter sido aprovado, foram gravados 22 episódios e gastamos R$ 400 mil com a produção, não dá para abaixar mais o preço. O programa só não foi ao ar na Record porque eles não quiseram pagar o valor combinado", defendia Salles. "Quando você faz um trabalho, quer que ele vá [adiante]. Foi decepcionante quando saiu da Record, depois ficou tudo meio suspenso", comenta Estrela sobre o cancelamento.
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Miguelito na RedeTV!
Com Miguelito descartado pela Record, a produção buscou outras alternativas, e acabou repassando o programa à RedeTV!, emissora recém-criada no espaço deixado pela extinta Rede Manchete. A estreia ocorreu em 17 de julho, no lugar do Galera da TV, da ex-paquita Andrea Sorvetão, que mudou de horário, às 17h30. O superintendente artístico e de programação da RedeTV! à época, Rogério Gallo, porém, não parecia ter muitas expectativas com Miguelito.
"Esse projeto vai ser um balão de ensaio. Vamos passar os 22 programas e ver como isso repercute. Não participamos da primeira fase do projeto e ainda não sei como será a aceitação por parte do público. Se der certo, voltará a ser produzido sob minha supervisão", explicava.
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Passagem 'relâmpago' pela TV e o fim de Miguelito
Segundo o Jornal da Tarde de 30 de julho de 2000, Miguelito ficou apenas cinco dias no ar e registrou um ibope máximo de um ponto.
Em 2020, Eduardo Estrela comenta sobre a curta permanência do programa na TV: "O Gallo, diretor da RedeTV!, estava tentando defender uma emissora com uma cara mais refinada. E óbvio que o Miguelito não cabia naquilo. Foi uma disputa de poder interno. Passou uma semana e tiraram". À época, os produtores e a RedeTV! discordavam sobre o motivo da retirada do programa da grade. "Como a emissora não cumpriu o combinado, pedi que tirassem a atração do ar", garantia Homero Salles. Segundo ele, o contrato previa a exibição de Miguelito às 14h e às 18h, o que não foi cumprido. "A parceria com a RedeTV! já começou errada porque a diretoria da emissora demonstrou desde o início que não confiava no produto. Assim, fica claro que não havia interesse em mantê-la no ar", reclamava.
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Já a RedeTV!, por sua vez, afirmava que o contrato havia sido respeitado. O problema, na verdade, seria a baixa audiência e a má qualidade do programa. Roberto dos Santos, assessor da RedeTV!, à época, criticava o programa: "A televisão brasileira é um veículo de comunicação tão criativo que não precisaria copiar algo dos mexicanos." "Em vez de Miguelito, um nome espanhol, por que não Miguelzinho? Os personagens e suas características foram todos copiados do original [Chaves]", continuava, demonstrando um clima pouco amistoso do canal com a produção.
As gravações de Miguelito
As gravações ocorreram em um galpão de 300 m² na região do Cambuci, em São Paulo, com cenário criado por Marcelo Alencar e inspirado em casas dos bairros do Brás, Mooca e Bexiga. Era a chamada "Vila Generosa". "Estamos fazendo muita leitura antes de gravar e isso é uma excelente experiência. É muito teatral e com certeza o público vai gostar", contava a atriz Ana Andreatta, que deu vida à personagem Lilica, à época. O diretor Milton Neves contava que foram mais de seis meses na produção e houve uma "rígida" seleção de atores, com mais de 4 mil candidatos para encontrar um ator apto a viver Miguelito.
Entrevista com Eduardo Estrela, o Miguelito
Confira abaixo a íntegra da entrevista do ator Eduardo Estrela, que interpretou o personagem Miguelito na TV, ao E+.
Como surgiu o convite para participar da série? Faz muito tempo, é uma coisa meio confusa. Não era um convite, lembro que foi um teste. Estava no começo da carreira e você tem aqueles bancos de trabalho. Se não me engano, tinha mandado um currículo para alguma coisa que vi em algum lugar, não lembro, e esqueci. Me chamaram para esse teste e não sabia nem o que era. Era uma sala comercial, uma coisa meio esquisita. Um prédio comercial, sala carpetada, cheia de gente. Acho que fui um dos últimos a fazer o teste. Eles não falaram o que era, me deram uma referência, eu olhei e fiz. Mas não deram referência de Chaves, na época não falaram nada. Passou um tempo e me chamaram para fazer a série e falaram que eu seria o protagonista, que era o Miguelito.
- Você gostou do resultado do programa? Gostei. Veja bem, era um programa que tinha muito claro os limites que tinha. Era produzido para a Record, um padrão estético, na época era o que tinha. Tendo em vista aquele padrão, sim, eu gostei. Montaram um elenco muito bom. Para mim foi uma experiência ótima, foi quando conheci Hélio Cícero, um monstro do teatro, que vinha do CPT [Centro de Pesquisas Teatrais], trabalhar com Luiz Bacelli, com Lara Córdula, que era uma artista que eu admirava de longa data, antes de pensar em pisar no palco. Davi Taiu... Para mim foi maravilhoso. O resultado era muito bom porque tinha gente muito boa - dentro do limite estético que nos davam. Todos nós entendemos que tinha uma pegada meio clownesca e era tudo muito desenhado. A referência, óbvio que era o Chaves.
- Se arrepende de ter feito Miguelito? Não me arrependi de maneira alguma. Como disse, conheci gente ótima, foi uma experiência muito boa, a primeira vez que eu mergulhei em um set criando alguma coisa tanto tempo, fazendo tantos episódios, contracenando com atores que vinham de escolas diferentes, tempos diferentes, era muito legal, foi muito importante. Aprender como são as emissoras, como é que funciona... Lamento de não ter todos os episódios da série. Adoraria, hoje, rever. Acabou que não fiquei com nada. Mas queria muito sentar e rever, ver tudo que gravei.
- Por que acha que a série durou tão pouco? Na verdade, era um problema de disputa de poder. Primeiro na Record, depois na RedeTV!. Anunciaram na Record. Eles puxaram o tapete, tiraram de lá, e um dos caras, que eu nem lembro o nome, que tentou vender com os contatos dentro da Record, pegou e levou para a RedeTV.! Por sua vez, o [Rogério] Gallo, diretor da RedeTV!, também não queria, tava tentando defender uma emissora com uma cara mais refinada. E óbvio que o Miguelito não cabia naquilo. Foi uma disputa de poder interno. Passou uma semana e tiraram. Mesmo nessa semana, tive o retorno, é muito curioso, anos depois, de gente olhar e falar "pô, você fez o Miguelito!" Ou seja, seria um programa que, se tivesse passado a temporada inteira teria dado um puta retorno. Não tenho a menor dúvida disso. Com uma semana, muita gente via e lembra disso. Teria sido um sucesso.
- Na época, você chegou a comentar que nunca tinha assistido Chaves antes de fazer o papel. Hoje, já assistiu? Cara, isso é uma história tão louca. Eu nunca tinha feito nada em televisão. Dar uma coletiva de imprensa foi um desespero. Eu não sabia lidar com aquilo. E tinha uma coisa de não assumir que era em cima do Chaves. Óbvio que era em cima do Chaves. Os caras [pediram]: "não fala nada, não fala do Chaves". Mas como? Bom, lá vou eu tentar dar uma entrevista, primeira coletiva de televisão, e eu tentando falar que não era o Chaves. Aí ficou muito patético quando eu falei que nunca tinha visto Chaves. E isso é a mais pura verdade! O que aconteceu: o Chaves foi passado pelo SBT nos anos 80. Quando o SBT abriu, eu já trabalhava e estudava. Trabalhava o dia inteiro em linha de produção numa fabriqueta e estudava à noite, então eu não via televisão, até porque eu sempre gostei muito de ler, fazia outras coisas. Esteticamente, não me chamava atenção. Óbvio que eu sabia o que era o Chaves, porque você vê uma chamada, uma coisa ou outra.
E até hoje eu odeio coisa dublada. Me incomodava muito aquilo. Esteticamente não me atraía e eu simplesmente não vi. Depois de passar o programa, anos, anos, na época que eu trabalhava no Miguelito não tinha vontade de ver. E até hoje, não tenho o 'tesão' [em assistir]. Tentei ver um episódio inteiro. Vocês vão achar que é estranho, mas é verdade! Não me atrai. Acho uns puta atores, óbvio, mas não é uma coisa que me atrai. Eu ainda vou uma hora fazer uma força e ver esse negócio.
- O que você acha quando as pessoas dizem que o programa Miguelito era uma 'cópia' do Chaves?
Não acho nada das pessoas falando que era 'cópia do chaves', é óbvio. Tanto que depois que 'miou' isso, a própria RedeTV! fez uma outra, a Vila Maluca, que aí né, enfim... Engraçado que na época eu estava rodando o Domésticas [filme] e o Fernando Meirelles [diretor] falou: 'pô, Eduardo, que legal que você vai fazer o Chaves aqui. Os roteiros são os originais? Porque os roteiros são ótimos!". Falei "não, imagina, é outro roteiro". Seria muito legal se os caras conseguissem negociar os roteiros e fazer os roteiros originais. Teria sido muito bacana. Mas enfim, era fruto de uma mentalidade de produção que é isso...- Você e o elenco ficavam aflitos por conta da indefinição sobre a estreia do programa à época? A produção pagou o valor prometido aos atores, ou houve algum tipo de atraso?
Quando você faz um trabalho, você quer que ele vá [pra frente]. Foi decepcionante quando saiu da Record, depois ficou tudo meio suspenso. Quanto à Câmera 5, produtora, eu não posso reclamar. Acho que foram extremamente corretos, claros. Teve uma atriz que entrou com processo. O elenco inteiro não entrou. Nós discordamos, entendemos que era um direito que ela achava que tinha. A Câmera 5, como produtora, o que ela se comprometeu, ela pagou. A atriz entrou com o processo pois achava que teria os direitos quando veicula, coisas diferentes. Meu contrato era com a Câmera 5. Se fosse entrar na Record, teríamos um segundo contrato. O Contrato de produção foi cumprido. Insisto, nenhum dos atores entrou, à exceção de uma atriz. E ela achou que tinha [razão], está tudo certo. Não acho que ela seja má por isso. Ela entendeu que era e o fato é que ganhou. É uma pessoa querida, gosto dela, a gente se encontra. Eu falei "não vou, não concordo com isso." A Câmera 5, dentro do limite deles, foram muito legais. Não tenho nada a reclamar, zero. Se eu disser qualquer coisa, seria desonesto.
- Você chegou a fazer outros trabalhos na TV? Segue trabalhando como ator atualmente? Algum projeto recente? Fiz muita coisa. Um porteiro em Mulheres Apaixonadas, um monte de série, Desprogramados, um monte de participação pequena. Mais recentemente um papel bacana em Chapa Quente, parceiro do Lúcio Mauro Filho, o Noronha.
Durante toda minha carreira, pouquíssimos anos eu não estive em cena, no palco. A pandemia travou um projeto lindo, que vai estrear ano que vem, Três Irmãs, do Tchékhov e A Semente da Romã.
São dois espetáculos que acontecem simultaneamente no Sesc Pompeia. De um lado, a plateia vai ver Três Irmãs, e do outro lado, a plateia, com fone de ouvido, vai ver outra história, que acontece na coxia das três irmãs. A história A semente da romã é a última apresentação da temporada de Três Irmãs. É um projeto lindo. Direção do Ruy Cortez e da Marina Tenório. Dois 'puta' diretores, pessoas queridíssimas, e um elencaço. Estava muito feliz. A pandemia interrompeu isso, era para ter estreado agora em abril. Esse ano completo 25 anos de carreira e sempre foi misturado com tudo, teatro, cinema, televisão e assim vai.
* Entrevista realizada em 6 de julho de 2020.