Uma maneira diferente de amar

Poliamor é uma filosofia amorosa - seguida por poucos - que rompe com os padrões sociais da monogamia

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"Um bando de malucos." É o que muitos vão pensar sobre o movimento amoroso, chamado poliamor, que vem dando as caras pelo mundo afora, inclusive no Brasil. Realmente é difícil imaginar que, segundo seus preceitos, uma pessoa tenha o direito de amar outras simultaneamente, envolvendo-se afetivamente e sexualmente, sem ciúme nem cobrança de exclusividade. Ao contrário das relações tradicionais, os "poliamoristas" - nome dado aos adeptos - mantêm histórias paralelas de forma aberta e com o consentimento dos parceiros. Bem diferente também da relação "aberta", cuja conotação sexual é a base da proposta: transar com quem quiser, desde que não se envolva emocionalmente. No poliamor, a idéia é amar e ser amado por várias pessoas, seguindo o impulso natural do ser humano, sem se limitar às convenções sociais da monogamia. Impossível? Apesar do espanto geral, já existem alguns poliamoristas por aí. Como são incompreendidos e mal-interpretados, geralmente não gostam de mostrar a cara publicamente. Por isso, todos os entrevistados preferiram usar pseudônimos. A técnica em informática, Marceli, de 25 anos, é um deles. Ela tem um namorado e uma namorada. Todos se conhecem, se gostam, se respeitam e pensam até em morar juntos. Esse trio "funciona" há três anos. "Há quem pense em orgia ou promiscuidade, mas é uma relação baseada na cumplicidade, respeito e sinceridade", avisa. "É viver sem mentiras nem com o peso da culpa por manter um caso extraconjugal. E ficar feliz pelo outro, ao saber que a pessoa que você ama também está feliz." O namorado de Marceli, o designer gráfico Cláudio, de 26 anos, admite que não é nada fácil administrar uma relação fora do padrão. "Acredito que o casal deve definir como funciona o relacionamento, que vai tomando forma de acordo com as particularidades de cada um. Lidar com ciúme é difícil, mas lidar com a mentira é ainda mais difícil." Cláudio não é polígamo. Aliás, é muito comum confundir poliamor com poligamia, que é a união conjugal (oficial) de uma pessoa com outras. Há países que aceitam esse costume. No Brasil, é proibido pela lei, mas existem os casos de vida dupla: quando um homem se casa com uma segunda mulher e sustenta duas famílias, sem que uma saiba da outra. Apesar da diferença ser tênue, poliamoristas não se relacionam às escondidas e as mulheres se relacionam também com outros homens, sem exigência de exclusividade. SINAL DOS TEMPOS? Poliamor não é um movimento tão desconhecido assim e já saiu do gueto faz tempo. A psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins reservou um extenso capítulo na nova edição de A Cama na Varanda - Arejando nossas Idéias a Respeito de Amor e Sexo (Editora Best Seller, R$ 44,90), para tratar do tema. O livro foi lançado há 10 anos, tornou-se sucesso editorial, estava esgotado desde 2004 e agora volta às livrarias atualizado e ampliado, com o acréscimo de uma parte instigante, que anuncia as novas relações amorosas. "Estamos vivendo um momento singular, no qual os modelos de relacionamento tradicionais não dão mais respostas às novas aspirações, ao desejo crescente de liberdade em contraponto aos padrões sociais que causam frustração e desencanto", explica Regina. "Cada vez mais as pessoas podem escolher e respeitar formas diferentes de viver, seja seguindo a estrutura de relacionamento monogâmico ou optando por outras formas de amar." Tal como o poliamor, que prenuncia o fim do amor romântico, caracterizado pela idealização do outro, fusão dos dois num só e pela idéia da exclusividade. O poliamor nasceu nos Estados Unidos há 20 anos, mas tem ramificações na Alemanha, Reino Unido e em muitas outras partes do mundo. Em novembro de 2005, conforme registro na Wikipédia (enciclopédia livre da internet), realizou-se a Primeira Conferência Internacional do movimento, em Hamburgo, Alemanha. Segundo Regina, existem no Google (ferramenta de busca da web) 769 citações da palavra poliamor e 840 mil da palavra polyamory - junção de poly (do grego, que significa muitos), e amor (do latim). Adepta dessa filosofia, a vendedora Daniela, de 26 anos, conta que poliamorista se depara com preconceito, principalmente quando é mulher. "Perdemos a credibilidade e muitos nos vêem como vulgar", confessa. "Os homens saem de bacana quando mantêm um relacionamento com várias mulheres ao mesmo tempo, enquanto nós dificilmente encontramos um homem que aceite dividir a namorada com outro homem." Ela tem namorado, mas mantém relacionamento com outro. Como a relação não é consentida pelo atual namorado, apenas pelo outro parceiro, Daniela ressalva que não vive exatamente uma relação poliamorista. O "namorado oficial", aliás, sabe da posição liberal da namorada uma vez que ela faz parte de uma das várias comunidades brasileiras que existem no Orkut, voltadas para o tema. Mas, como explica a vendedora, por medo de perdê-la, ele prefere fazer vista grossa. "No poliamor, a gente ama o ser humano, o sexo não é o foco e a relação com os envolvidos é duradoura. O difícil é encontrar pessoas que consigam se libertar do sentimento de posse", reclama Daniela. "Mas viver ao mesmo tempo outros amores é maravilhoso, porque curtimos o que cada um tem de legal e não colocamos toda a expectativa numa única pessoa. Meu namorado, por exemplo, acompanha meu ritmo intelectual, gostamos de ler, vamos ao teatro, a exposições; enquanto que o outro é mais carinhoso, gosta de ficar juntinho em casa comendo pipoca e namorando." Para quem continua achando tudo isso uma maluquice, a psicanalista Regina lembra que todo processo de mudança social causa estranheza. Seria considerado louco, por exemplo, quem dissesse, lá pelos anos 50, que o fim de um casamento se tornaria comum e que a mulher separada não seria mais discriminada. E olha só no que deu.

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