Carles: Ahhhh, que saga essa dos Le Pen!!! O pior é que o Benzema, "pasota" de carteirinha, não está entendendo bem o que está acontecendo. O que ele disse é que ninguém vai obrigá-lo a fazer nada que ele não quiser. Não está levantando nenhuma bandeira de negação aos símbolos de um estado opressor. Já os galeses da seleção britânica...
Edu: Os galeses têm mais motivos ainda para não cantar 'God Save The Queen'. São galeses e ponto, nunca pediram para estar sob o jugo britânico. Não são ingleses. Foi o que disse o capitão do time olímpico, Ryan Giggs, aliás já foi condecorado pela rainha com as honras do Império. Aí, os outros galeses da equipe seguiram o capitão. No caso da França essa história vem desde a Copa de 1998, quando o paisão Jean Marie Le Pen fez a campanha contra caras como Viera e o goleiro Barthez. Acontece que outro sujeito com uma certa importância no time também não cantava o hino: Zizou. E Platini, nas tribunas, idem.
Carles: O Evra, em compensação, foi flagrado derramando lágrimas ao som de 'Les enfants de la Patrie'... E as suas circunstâncias, teoricamente, são parecidas às dos "rebeldes". Para variar, já existem grupos de torcedores ultras forçando a barra, em defesa dos símbolos pátrios. Não acredito que na "Roja" tenhamos esse problema.
Edu: Sim, porque o hino não tem letra. Se bem que a cobrança existe e sei que você vai espernear: catalães e bascos se esmeram em vaiar o hino nacional. Não deixa de ser uma pressão sobre um símbolo pátrio.
Carles: Hehehehe. Espernear? Dou a maior força. Tirar um brasão e a letra o hino não eliminam as evidências de um estado que foi criminoso e que, em alguns casos, ainda está por aí, disfarçado de democrata.
Edu: Sei disso. Mas, se excluirmos a Espanha - que provocaria uma discussão para horas - o mais interessante de tudo, no contexto europeu, é que os jogadores têm uma noção de cidadania bem consistente. Özil, que tem ascendência turca, Khedira, de pais tunisianos, e Podolski, que nasceu na Polônia, não cantam o hino alemão, nem dão explicações. O pessoal protesta, a imprensa cobra, mas os caras ficam na deles. Benzema, de família argelina, fez um pouco isso: 'Não vou cantar porque não quero'.
Carles: É, os alemães não deram explicação, mas teve ministro pedindo. No caso de Giggs, é preciso ressalvar que não se sentiu representado pelo hino inglês, mas pediu respeito enquanto fosse entoado. É uma posição de acordo com a condecoração, não?
Edu: Completamente. Essa proposta hedionda da herdeira dos Le Pen tem um precedente grave entre os grandes times europeus. Sinisa Mihajlovic, um ótimo zagueiro e exímio cobrador de faltas nos seus bons tempos, tem deixado aflorar, agora como técnico da Seleção da Sérvia, todos os seus princípios autoritários e nacionalistas, como notório simpatizante fascista que é. Excluiu da seleção um garoto prodígio, o meiaAdem Ljajic, porque ele não seguiu a cartilha proposta que obrigava todo mundo a cantar o hino. Resultado: uma das maiores revelações sérvias dos últimos tempos está fora do time por um capricho de 'Major' Sinisa.
Carles: E o garoto deixou claro que é por convicção e não volta atrás, sejam quais forem as consequências. No ranking de "patriotas" na última Eurocopa estão, por ordem, italianos, poloneses, gregos e ingleses. A maioria dos jogadores desses times cantaram os hinos. E os menos dispostos a cantar as glórias da mãe pátria são russos, seguidos dos alemães. A classificação foi feita contabilizando a quantidade de atletas que cantaram o hino do país antes dos jogos. Tem ranking para tudo... Pelo visto, deve ter sido o ar do velho continente que contaminou Messi.
Edu: Pois é, Messi também não canta. Menos mal que no Brasil ninguém liga muito pra isso. Aliás, alguns caras daqui é melhor que não cantem mesmo, são horríveis, desafinadíssimos, um tormento. E a letra do nosso hino é bastante bizarra e complicada. Não me lembro de nenhuma comoção por aqui porque alguém deixou de cantar. Só o Dunga fez uma leve campanha pedindo isso a seus jogadores.
Carles: Para que cantassem?
Edu: Sim, mas não colou, E, curiosamente, um dos jogadores mais politizados da história do país, ferrenho crítico do sistema, do qual falamos outro dia, o brilhante Dr. Sócrates, cantava o hino nacional com a palma da mão sobre o peito, como todo milico que se preze. Vai entender...
Carles: É, mas o hino e outros símbolos pátrios, em determinadas circunstâncias, foram considerados manifestações subversivas, especialmente por governos ditatoriais. Por outro lado, o canto do hino pode ter o valor de um ritual ancestral, uma forma de intimidar o inimigo. Se a moda pega, podíamos propor uma espécie de canto-dança ritual Mahori Haka, como a dos All Blacks. Imaginou os jogadores espanhóis entoando Macarena com expressão selvagem e as caras pintadas?
Edu: Puyol de cara pintada? E dançando? Não conte comigo.
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