Uma das decisões mais delicadas no esporte, atividade que há quase quatro décadas acompanho como profissional, se refere à hora de o atleta parar. Perdi a conta dos depoimentos que vi a respeito disso. A constatação óbvia beira à unanimidade: é difícil, doloroso até.
Se o sujeito não tiver sólida estrutura emocional - e financeira - se esborracha em um instante. Teve camarada com fama e fortuna que ficou sem rumo, depois de sair da mídia e perder popularidade. É duro para um astro aposentado, antes habituado a portas escancaradas e cenas explícitas de bajulação, acostumar-se por exemplo com a ideia de chegar em um restaurante e ser tratado como os outros clientes. Arranha o ego.
Por isso, muitos empurram o máximo que puderem encarar o momento de deixar a cena. Isso é comum no boxe e no futebol. Na nobre arte, o homem para ao perceber o déficit crescente entre as pancadas que dá e as que recebe. Apanha mais, e os punhos dos adversários parece que se tornaram pesados como chumbo. E como ardem os murros!
No esporte bretão (essa eu sempre quis usar e não sabia como!), o indivíduo constata que precisa pendurar as chuteiras ao botar a língua de fora dois piques e dez minutos após entrar em campo. Ou quando larga cinco metros na frente do rival e chega na bola dois metros depois. Juntas que doem e barriga que cresce são outros indícios mais devastadores do que travas de zagueiros botinudos.
Mesmo assim, não são raros os que insistem em continuar na ativa já com poucos cabelos, diversas marcas do tempo e varizes acentuadas. Muitas vezes por necessidade - falta aquela grana que nos verdes anos veio farta e se perdeu em carrões, farras e investimentos furados. E, em tantas outras, por costume, por temor do que lhes reserva a vida depois do futebol. Em ambos os casos, o homem maduro se torna menos seletivo com os convites e vai para onde o chamarem. Segue destino mambembe, como o de veteranos artistas que se apresentam no palco que os acolher.
O Rivaldo me levou a estas reflexões de ano novo. Na sexta-feira, se confirmou transferência para Angola. O endinheirado dono de um time africano resolveu gastar uma quantia qualquer (não interessa quanto) pelo prazer de ver um campeão do mundo com a camisa do clube dele. Rivaldo, 40 anos logo mais, estava sem vínculo desde dezembro, ao sair do São Paulo, e topou a parada, como havia feito anteriormente nas incursões pela Grécia e pelo Usbequistão.
A aventura não vai acrescentar nada à bela e comovente carreira de Rivaldo - para mim o melhor do Brasil nos Mundiais de 1998 e 2002. Deve render-lhe mais uns cobres - sempre prazerosos, e a família agradece. Acima de tudo lhe faz bem a rotina de treinos, viagens, concentrações, jogos, aplausos do público. Estende um pouco mais a juventude, um bem enorme que todos tememos perder. E ainda vai abrir uma igreja, veja só.
Então, irei criticá-lo? Vai, Rivaldo, bater sua bolinha em paz e divirta-se. Mesmo porque, pra mim, o Rivaldo que lembro é o das Copas, do Barcelona e do último Palmeiras glorioso.
*(Minha crônica no Estado de hoje, dia 15/1/12.)