Pokey Chatman chegou sem grande alarde ao ginásio Wlamir Marques, do Corinthians, no dia 8 de março. Era o primeiro de quatro jogos da Liga de Basquete Feminino (LBF) que a nova técnica da seleção brasileira feminina observa durante passagem no Brasil. Um abraço na pivô Érika, a qual Pokey já treinou, e alguns pedidos de fotos de torcedores mais engajados a colocaram como foco de maior atenção.
O Estadão acompanhou de perto os primeiros passos da nova treinadora nas quadras do Brasil. Na manhã de sábado, ela esteve no Parque São Jorge, que sediou um duelo entre Corinthians e Pontz São José com homenagens pelo Dia Internacional da Mulher e marcando a estreia da temporada 2025.
Em quadra, Pokey pôde ver duas jogadoras com histórico recente na seleção, ambas corintianas: a pivô Licinara Bispo e Alana Gonçalo, eleita MVP do jogo, com 21 pontos e cinco bolas de três. A armadora demonstrou a liderança e qualidade técnica diante da treinadora, que gostou do que via.
Com um showman no microfone para animar o público, ao estilo americano de espetáculo esportivo, Pokey teve a presença anunciada no intervalo da partida. Foi o auge da atenção para a treinadora, que recebeu boné, camiseta e um copo do basquete corintiano diretamente do presidente Augusto Melo. As bochechas da americana estavam coradas quando ela retornou para a cadeira ao lado da quadra.
Não era um incômodo, ela fez questão de dizer à reportagem do Estadão. Pelo contrário. “Eu adoro a energia aqui no Brasil. Não importa qual evento esportivo você vá assistir, sempre há muita energia. Isso é ótimo, porque já conheço algumas das jogadoras daqui. Estou animada e aproveitando”, contou.

Brasilidade, aliás, não é novidade. Pokey é casada com a carioca Dani Reis. As duas são mães de Isabella, de quatro meses, a qual domina a galeria de fotos do celular da treinadora, como ela mostrou à reportagem. A americana tem sorriso aberto, mas, nesse momento, seu riso é ainda mais fácil.
Enquanto é possível perceber que Pokey é familiarizada com o Brasil, ela aponta o quanto gosta do País ao levantar a barra da calça e revelar a tatuagem do Cristo Redentor no tornozelo esquerdo. Em seguida, ela conta com orgulho: a primeira visita aqui foi em São Paulo, há 38 anos. A então armadora Pokey foi campeã da Copa América sub-18 com a seleção dos Estados Unidos.
Experiência separa a jovem da treinadora de 55 anos. Foram 14 temporadas na WNBA, no comando do Indiana Fever e do Chicaco Sky, atual time da brasileira Kamilla Cardoso. Antes disso, Pokey fez carreira no basquete universitário, com a Universidade do Estado de Luisiana (LSU), pela qual também foi jogadora e entrou no Hall da Fama esportivo. Fora dos Estados Unidos, a treinadora comandou o Spartak, da Rússia, e conquistou a Euroleague em 2010.

Enquanto assume a seleção, ela também é assistente do Seattle Storm, na WNBA. A chegada de uma norte-americana é vista nos bastidores como um game changer (ou uma virada de jogo), com expectativa de elevar o nível do basquete do Brasil, mas sem deixar de mirar na construção de novos talentos.
“Acho que o maior desafio (em assumir o Brasil) é colocar todo no mesmo patamar. Eu me incluo nisso. Mas, a partir desse ponto, precisamos estabelecer nossa base e nosso princípio, porque o objetivo é que as equipes mais jovens adotem alguns dos mesmos sistemas ofensivos e defensivos, para que, quando as atletas subam nas categorias, com 17, 18, 19 anos, sub-20, seja uma boa transição. Isso é a parte mais importante para estabelecermos nossa base”, descreve a treinadora.
E isso não começa agora. Pokey trabalha com a CBB, como consultora, desde julho de 2024. Na posição de técnica principal, a americana é a segunda mulher no comando da seleção. A pioneira foi Maria Helena Cardoso, que assumiu em 1986, foi prata no Pan de Indianápolis-1987 e comandou a equipe que tinha Hortência e Magic Paula ao ouro no Pan de Havana-1991, além de levar o time à primeira participação olímpica, em Barcelona-1992.

Pokey entende a dimensão do seu papel: “O basquete feminino no mundo está crescendo. E acho que isso acontece em um ótimo momento, porque também estamos tentando recolocar o Brasil no cenário mundial. Com toda a atenção, as diferentes ligas profissionais, o surgimento de tantos talentos jovens, acho que esse é o momento perfeito para voltarmos ao alto nível mundial”.
Mesmo que tenha outros desafios antes, Pokey sabe a importância de voltar aos Jogos Olímpicos. A última participação do basquete feminino brasileiro foi na Rio-2016, o que quebrou uma série de seis participações consecutivas desde a primeira. Um dos caminhos no seu modo de treinar é criar uma espécie de “família Chatman”.

“O mais importante para mim é o conforto com as pessoas, a proximidade com alguns jogadores que tive o privilégio de treinar, como Érika e Clarissa. Conheço o Fabio (Deschamps, vice-presidente da CBB) há muitos anos, desde quando eu treinava na Europa. Então, o principal para mim agora é me envolver na cultura, aprender sobre muitos das jovens jogadoras, das mais experientes, e entender o cenário para podermos avançar o passo a passo rumo a Los Angeles-2028″, conclui.
A seleção brasileira feminina de basquete já foi campeã mundial (1994), hexacampeã da Copa América, prata na Olimpíada de Atlanta-1996 e bronze em Sydney-2000.
Jazz e gospel music compõem Pokey Chatman, que carrega sua origem em Louisana
Pokey Chatman nasceu em Ama, às margens do Rio Missisipi. O local somava apenas 1,2 mil habitantes, segundo o Departamento do Censo dos Estados Unidos. Com a quinta maior população afro-americana do país, o estado de Louisana é historicamente ligado a resistência cultural da comunidade negra. A maior cidade, Nova Orleans, por exemplo, é o berço do jazz.
A técnica carrega isso consigo. Ela é fã do gênero, além de ter carinho pela gospel music, ligada ao blues, tradicional no Estado e diferente da música gospel tradicional no Brasil. “Música me ajuda a relaxar, enquanto também tem o poder de me motivar”, diz Pokey. Exemplo disso são suas playlists.
A americana tem uma seleção de gospel para animar-se. Já a playlist de jazz é “para todas as horas” e serve como “trilha sonora para a vida”. A que mais chama a atenção, porém, é o mix chamado por “GAME DAY!”, em que o rap ganha mais espaço, com grandes nomes como Tupac, Beyoncé e Lil Wayne – o último também de Louisana.
Mesmo cantada, a música extrapola idiomas. A playlist para dias de jogos anima sem precisar compreender inglês. É uma forma de se comunicar.
Pokey admite que, apesar do carinho e da ligação com o Brasil, o português não é muito bom. “O interessante é que estou entendendo melhor. Só que, quando chego aqui, todo mundo quer falar inglês comigo”, contou aos risos.
“Agora, em casa, com a família e minha esposa... ela está me fazendo falar mais português. Estou aprendendo, e também com as jogadoras. Esse é meu objetivo: conseguir me comunicar o suficiente. Tive o privilégio de treinar na Europa, de treinar na Rússia por cerca de seis anos, e não tive tradutor porque queria aprender o idioma e poder dizer às jogadoras em russo a que horas seria o treino no dia seguinte. Esse é o meu objetivo aqui. E acho que o que vai me ajudar é ter algumas pessoas me auxiliando com a terminologia do basquete” refletiu ela, que conta com Bruna Rodrigues e Léo Figueiró como auxiliares na sua comissão técnica.
Seleção brasileira se prepara para Copa América de Basquete
O primeiro compromisso da seleção brasileira sob comando de Pokey Chatman será a Copa América 2025. A competição será no Chile, entre 28 de junho e 6 de julho. São dez participantes, distribuídos em cinco potes. O sorteio dos grupos será no dia 26 de março, em Miami.
- Pote 1: El Salvador e Chile
- Pote 2: EUA e Canadá
- Pote 3: Brasil e Porto Rico
- Pote 4: Colômbia e Argentina
- Pote 5: República Dominicana e México
Na fase inicial, cada time vai jogar uma partida contra cada oponente do seu grupo. As quadro melhores de cada um dos dois grupos avançam às quartas de final, em que as melhores campanhas jogam contra as piores. O mata-mata segue para as semis e final.
A AmeriCup feminina é o principal torneio de seleções femininas do continente e vai para a 18ª edição. O Brasil é o atual campeão, com o título no México 2023.