Quando Usain Bolt, da Jamaica, quebrou o recorde mundial dos 100 metros rasos do atletismo com 9s72 no sábado, duas questões se tornaram urgentes: era algo conseguido sem a ajuda do vento? Ele conseguiu isso sem o doping? O atletismo tem assumido muitos compromissos contra o doping e qualquer performance surpreendente desperta imediatamente suspeitas. Nunca antes da corrida no Grand Prix americano de Randall Island, em Manhattan, Bolt e um atleta top, o campeão mundial de 2007 Tyson Gay, encararam tantas perguntas dos repórteres sobre uma performance ajudada pelas drogas. Veja também: A evolução do recorde dos 100 m rasos no atletismo As perguntas antes da corrida tinha sido sobre a rotina e as após a corrida foram sobre o cenário das drogas. Bolt negou ter melhorado sua performance com uso de drogas e não foi pego no exame. Contudo, seu técnico reconhece, é impossível para Bolt escapar do ceticismo nebuloso que envolve sua história. Uma quantidade enorme de campeões olímpicos, mundiais e recordistas acabaram com a reputação dos medalhistas velocistas, incluindo Ben Johnson, Marion Jones, Justin Gatlin, Tim Montgomery e Kelli White. E agora, Maurice Greene também, ajudado e flagrado num exame detalhado, mas que não sofre nenhum processo formal. "Todos temos perguntas que são inevitáveis para as revelações no esporte", diz Glen Mills, técnico de Bolt. "Mas isto não é problema para nós por duas razões. Um, estamos com a consciência tranqüila. Dois, Usain não toma nem vitamina C. Nós o tornamos um atleta limpo como um assobio". Bolt, 1,93 m e 21 anos, que tem ajuda e apoio dentro do permitido, é sem dúvidas um talento prodígio. Aos 15 anos, ele quebrou o recorde mundial do campeonato júnior nos 200 m. Depois, ele se tornou o primeiro corredor júnior a baixar dos 20 segundos nos 200 m. Ele tem o recorde jamaicano (19s75) e terminou em segundo contra Gay nos 200 m no campeonato mundial de 2007. Bolt está cauteloso com a marca, pelo fato de que ele só correu cinco vezes como profissional nos 100 m, conseguindo dois dos três melhores desempenhos da história. Se Bolt estiver limpo - e neste ponto não há evidências de que não esteja - ele procura evitar que ele mesmo seja uma vítima do mais corrosivo aspecto da perversidade do doping: que o inocente nunca consiga provar sua inocência. ERROS DO PASSADO "As pessoas são suspeitas", diz Mary Wittenberg, chefe executiva do grupo de corredores de rua de Nova York e diretora da tradicional maratona da cidade. "Isto [sombra do doping] é algo que vai atingir uma geração até que possamos resolver o problema, provavelmente". Contudo, Wittenberg diz, os sofisticados e mais objetivos testes, associados às prisões de Jones e Montgomery, são uma mensagem moderada para os potencias usuários de drogas. "Eu penso que nós podemos acreditar nessas performances mais que do que nunca", Wittenberg fala. "Eu acredito que o nível está melhor porque temos agentes, técnicos e atletas como nunca, e eu acho que isto está nos ajudando." Ainda assim, o atletismo segue numa posição irônica. Como o ciclismo, tenta travar uma dura guerra contra os usuários de drogas como nenhum outro esporte com testes rigorosos. Contudo, como mais consumidores de drogas surgem, mais a reputação se destrói. "A recompensa por se fazer a coisa direita está sendo etiquetada como tendo a droga como problema", fala Craig Masback, ex-chefe executivo do atletismo norte-americano, numa entrevista no ano passado. Por outro lado, ao longo do tempo, um pequeno mas significativo número de pessoas tem dado sugestões para que a melhora da performance por drogas seja legalizado. Tudo isso após essa melhoria ter acontecido na cama (com o Viagra) e nas salas de concerto (bloqueadores de cansaço); para alguns, esta legalização vale após atletas terem sido atingidos em uma seletiva acusação. CONTRADIÇÃO No último ano, para constar, o ator Sylvester Stallone doou US$ 10 mil (R$ 16,3 mil) para estudos com hormônios de crescimento humano e testosterona na Austrália, quando se isso fosse um atleta poderia ser suspenso por dois ou mais anos e ainda acusado publicamente de calúnia. Isto é uma evidência que o público é crescentemente apreensivo com os motivos governamentais na longínqua baía dos laboratórios de cooperação nos casos de doping. No último mês, o ex-treinador de elite Trevor Graham foi considerado culpado em uma das três acusações de mentir para as autoridades. O juiz criticou duramente a confiança do governo no testemunho de um distribuidor das drogas, acusando o departamento de Justiça de "luxúria por sangue". Entretanto, como os corredores tentam reparar a esfarrapada imagem, dezenas de estrelas das corridas americanas, incluindo Gay, tem, de maneira regular e voluntariamente, se submetido aos programas de testes de exames de sangue e urina. "Eu definitivamente não entendo como tantas pessoas tem perguntado sobre isso", diz Gay, campeão mundial em 2007 dos 100 e 200 m e que terminou em segundo - atrás de Bolt - com 9s85 no Sábado. "As pessoas tem nos feito essas perguntas porque nós tivemos maus atletas no passado". Contudo, Gay diz, ele acredita que não pode ser contaminado pelo ceticismo. "As pessoas terão suspeitas enquanto o atletismo tiver este problema", ele completa. (tradução de Milton Pazzi Jr.)
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