Daiane dos Santos está fazendo cerca de duas horas e meia de fisioterapia por dia e ainda treinando outras cinco, visando a competição da ginástica artística em Atenas, que começa no domingo. Se estará em sua forma ideal ou mesmo a quantos por cento dela, João Grangeiro, o médico-chefe do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), não sabe dizer. Mas Eliane Martins, a chefe de equipe, calcula que sua atleta esteja hoje a 95% da forma ideal e chegará à competição em 100%. O ortopedista diz que a ginasta não sente mais dores e está ampliando seus movimentos, auxiliada pelos fisioterapeutas José Roberto Prado Júnior e Henrique Jatobá. Com a pliometria - uma simulação de movimentos específicos, que vão sendo dificultados bem aos poucos - e a melhora percebida por ela mesma, é mais fácil perder o medo na execução dos exercícios, normal em qualquer atleta que passe por cirurgia. Outro ponto importante, destacado pelo médico: a garra e o alto astral da garota. A gauchinha passou por três cirurgias. A primeira delas, no joelho esquerdo, foi realizada ainda no Sul, antes de a Confederação Brasileira de Ginástica montar seu centro de treinamento em Curitiba, há cerca de três anos. Recuperou-se totalmente. As outras duas foram no joelho direito e realizadas por Mário Namba, o médico da equipe de ginástica: o primeiro problema, no início de julho de 2003, foi uma lesão no menisco, tratada por artroscopia, mesmo método utilizado na segunda, em 27 de junho, depois de um exame constatar um pedaço de cartilagem solto no joelho da atleta. "Esse segundo caso aconteceu provavelmente por causa de um movimento que ela fez. O pedaço saltou da cartilagem. Foi por impacto, sim, sem dúvida nenhuma", diz o médico. Segundo Grangeiro, hoje muitas vezes não se vê mais necessidade de tirar o menisco todo em caso de lesão. Retira-se o que é preciso e preserva-se o resto. No caso de Daiane, menos de um terço foi tirado - ou, mais de três quartos permaneceu. O traumatismo repetido originou o problema da cartilagem. A articulação fica mais vulnerável na absorção do impacto. Saltar muito, alcançar dois metros em um quase-vôo - o que é fora-de-série segundo o médico-ortopedista, "um dos maiores saltos da modalidade - não causa um impacto tão importante na aterrisagem, explica o médico, porque ao mesmo tempo é enorme a capacidade da musculatura das pernas de Daiane para amortecer o salto. Os problemas vêm de microtraumatismos sucessivos da articulação, ao longo do tempo de treinamento. Outro ponto favorável à gaúcha: Daiane tem um eixo mecânico perfeito das pernas - nada de joelhos tipo "cowboy" ou em "em xis". Assim, tem menos propensão a outros tipos de lesão. Na segunda artroscopia do joelho direito da ginasta, foi preciso "pescar" o pedacinho de cartilagem que se soltou (pouco mais de um centímetro). Depois se deu uma "lixadinha" na cartilagem que ficou (essa ponta de osso do joelho é chamada cartilagem hialina). "Não havia possibilidade nenhuma de a Daiane não ser operada. Em um movimento, o joelho dela simplesmente travou. Se não passasse pela operação, poderia estar aqui na Vila Olímpica e perder o movimento até andando, nem competir." A reabilitação começou já no hospital. É feita por etapas, para restituir a função articular do joelho, com gelo, ultrassom, em duas vezes por dia: cerca de 40 minutos e uma hora e meia (Daiane ouve música, conversa com quem está por perto, segundo o médico). "Ela está evoluindo cada vez mais na execução do gesto esportivo. Teve uma melhora considerável. O joelho não está mais inchado e o arco de movimento já está completo. Agora trabalha também a força muscular do joelho." E mais importante ainda: faz exercícios de equilíbrio, onde simula gestos. "O trabalho é de pliometria", diz o médico. Para ilustrar, imagina-se que em vez daquele salto muito alto, dá "um pulinho" e vai aumentando aos poucos, sentindo que consegue, perdendo o medo. "Ela vai percebendo de novo a articulação, até fazer o movimento total. Até agora, no nível exigido, ela não tem apresentado problemas. No dia-a-dia, está tendo uma melhora impressionante, ganhando confiança. Ela é muito alto-astral e passa esse otimismo o tempo todo para as outras meninas. É como um campeão tem de ser. Lesão, todos os atletas de alto nível têm. Essa personalidade dela, essa postura de alto astral, acaba fazendo a diferença. Não tenho condições de dizer a quantos por cento ela está tecnicamente, se chegará em condições ideais de competir. Mas na minha opinião ela vai chegar na mosca!"