A dívida de R$ 1,4 bilhão do Atlético Mineiro tira o sono de Bruno Muzzi, o CEO da SAF atleticana. É ele o responsável por administrar todas as áreas do clube, do estádio ao futebol, sobretudo as finanças. Ele viu o endividamento subir R$ 90 milhões de 2023 para 2024 graças ao investimento em contratações no ano passado. Para 2025, mesmo sem Paulinho, vendido ao Palmeiras por 18 milhões de euros, a folha salarial, que foi de R$ 25 milhões (incluindo valores de premiações), deve subir, segundo prevê o executivo.
Em meio a críticas e cobranças, Muzzi apresentou nesta semana, de forma detalhada, as finanças do Atlético, que não encontra alternativas para quitar a dívida. Ao menos, o clube registrou a maior receita de sua história - R$ 502 milhões - e teve R$ 8 milhões de superávit operacional - os números ainda têm de ser auditados. “O futebol é a nossa prioridade, a gente mantém time competitivo e investimentos elevados, mas precisamos fazer isso tudo com equilíbrio porque nosso endividamento ainda é muito alto”, reconhece o executivo, em entrevista ao Estadão.
Na conversa, Muzzi disse ter sido impossível segurar Paulinho diante da proposta “irrecusável” do Palmeiras, explicou qual perfil busca para ser o novo executivo de futebol do clube, falou sobre as críticas após o fim de ano melancólico da equipe, com dois vices e mantida na Série A apenas na última rodada, e respondeu sobre a escolha por Cuca, rejeitado por parte da torcida em decorrência de sua condenação por estupro na Suíça. “O nosso conselho entendeu que o Cuca já tinha dado todas as suas explicações, já tinha dado todos os seus pronunciamentos”, afirma.
O clube decidiu apresentar as finanças à imprensa após intensas críticas e cobranças. Acha que o torcedor entende o atual cenário?
O torcedor quer um time competitivo. Ele quer saber dos novos jogadores, dos novos investimentos. É totalmente compreensível, eles querem cada vez mais títulos. Eu sou torcedor, fui torcedor a vida inteira e ficava querendo escutar esse tipo de notícia. A partir do momento que você tem uma posição de gestão, a gente precisa equilibrar um pouco melhor.
Você falou muito em equilibrar pratos. Como montar um time competitivo e ao mesmo tempo manter o equilíbrio financeiro?
A gente tem um departamento hoje de futebol com dados, estudos de mercado, que vem se mostrando eficiente. Desde 2020, numa reformulação de time que a gente fez, ganhamos um título em 2021, ganhamos em 2022, cinco anos consecutivos de Campeonato Mineiro, duas finais. Então acho que a gente começa a demonstrar que tem capacidade de montar times competitivos. Conseguimos mostrar esse ano que a mantivemos um investimento em folha. E com todos os investimentos para o bem-estar do atleta, com voos fretados, hotéis, alimentação, tudo do mais alto nível, a gente conseguiu manter um resultado operacional positivo. E reduzimos significativamente o déficit de compra e venda de atletas. Então acho que a partir do momento que a gente for mais eficiente na formação de atletas, para que esses investimentos não precisem ser tão elevados, podemos aproveitar um número significativo de atletas vindo da nossa formação e aqueles que a gente não aproveitar, conseguir ainda colocar no mercado, essa equação também vai fazer muita diferença. E aí com essas duas linhas positivas, demonstramos como um clube de futebol pode ser sustentável.
Você tem, entre suas tarefas, organizar as finanças do Galo. Como está esse trabalho?
A gente investe no futebol, o futebol é a nossa prioridade, a gente mantém time competitivo e investimentos elevados, mas precisamos fazer isso tudo com equilíbrio porque nosso endividamento ainda é muito alto. E é matemática: se você investe muito, sem o devido planejamento, isso vai refletir, obviamente, no seu nível de endividamento ou numa necessidade de novos apoios.
Esse é o seu maior desafio como CEO?
Sem dúvida. É manter o clube sustentável e vitorioso e nos livrarmos dessa dívida nossa o quanto antes.
A dívida do Atlético-MG é alta, de R$ 1,4 bilhão, e aumentou de 2023 para 2024. Qual o caminho para reduzi-la?
A dívida é composta por dívida bancária, e quando eu falo bancário são bancos e a dívida da arena, o Profut e a compra e venda de jogadores que aparecem no Contas a Pagar, que a gente chama variação de capital de giro. Quando a gente pega a dívida bancária, ela diminuiu um pouco e o que aumentou de um ano para o outro foi exatamente essa variação do capital de giro que a gente tem mais contas a pagar do que receber, principalmente em função das aquisições com jogadores. Então, quando você soma isso dois aparece com endividamento, mas para a gente como gestor, o endividamento bancário ter reduzido, mesmo que pouco, é significativo. Em todos os clubes do futebol nacional o endividamento é uma das principais questões. Com certeza, é uma dívida alta, juros em constante elevação, a gente precisa resolver isso.
A dívida te preocupa a ponto de tirar seu sono?
O futebol tira nosso sono de tantas maneiras que essa é mais uma delas. É um mercado muito intenso, a gente é muito cobrado, muito exposto, existem as crises constantes, riscos constantes, fases. Se a gente tivesse feito aqueles gols que perdemos na final Libertadores estaria talvez aqui em um outro cenário, mas isso não impediria que daqui seis meses a gente enfrentasse uma outra crise. Nós perdemos uma Copa do Brasil em casa com toda aquela situação na Arena MRV, que gerou também crise, então é um negócio que requer bastante equilíbrio, bastante resiliência.
Estão no horizonte novos aportes de investidores?
O que está no nosso horizonte é a necessidade de reestruturar nosso endividamento. Temos algumas alternativas para trabalhar, que seriam novos aportes, seriam novos sócios, seriam uma reestruturação completa do endividamento, uma troca completa do endividamento, quem sabe mais à frente uma abertura de capital. Existem alternativas que a gente precisa trabalhar firmemente para poder conseguir reestruturar.
Vender ou comprar um jogador não é tão simples e envolve vários fatores. Mas era possível segurar o Paulinho?
A proposta do Paulinho, quando veio, foi irrecusável no nosso conselho, no nosso comitê. São 18 milhões de euros, mais o mecanismo de solidariedade, ou seja, a gente estaria falando de 19 milhões de euros, o Galo tem 80% disso. E ainda trouxemos dois jogadores que estavam no nosso planejamento de vir, que foram o Gabriel Menino e o Patrick. São jovens, um de 24 anos, um de 20 anos. É a maior transação entre clubes do futebol brasileiro, foi bastante interessante essa negociação.
O Atlético não tem mais Paulinho, mas tem jogadores caros e badalados, como Hulk e Arana, que inflam a folha salarial. O plano é reduzir a folha?
A expectativa esse ano é que tenhamos uma folha salarial ainda maior do que do ano passado. A gente fechou 2024 com folha de R$ 301 milhões (anuais) e deve aumentar essa folha para 2025. Mesmo com a saída do Paulinho, em função das contratações que estão por vir.
Então dá para esperar que o Atlético contrate um ‘medalhão’? Um jogador caro?
A gente está no mercado trabalhando, assim que tivermos uma definição de novas contratações vamos a público. É um mercado muito dinâmico, bastante inflacionado por diversos razões. Vamos ver o que a gente consegue trazer, mas o objetivo é ser competitivo e ter um elenco bem qualificado.
Está inflacionado em relação ao valor de compra dos jogadores e pelos salários e bonificações também?
Eu acho que dos dois, eu acho que tem um efeito no mundo do futebol, a entrada das bets com patrocínios elevados, a entrada dos clubes do Oriente Médio, comprando jogadores, seja na Premier League, seja na LaLiga, com valores muito altos, e esses times acabam comprando jogadores também sul-americanos e de outras ligas, também pagando caro, cada vez buscando jogadores mais novos, e isso inflaciona realmente o mercado como um todo.
Alguns rivais, incluindo o Cruzeiro, têm gastado muito pra se reforçar. Isso traz uma pressão a mais para investir?
Cada clube tem suas estratégias. Agora, a gente sabe dos nossos limites e se mantém ali entre os principais clubes que vêm fazendo aquisições e vêm mantendo o futebol elevado e é assim que vamos seguir.
Como o Atlético lida com as críticas à escolha por Cuca relacionadas à condenação por estupro?
Sem dúvida foi uma questão amplamente discutida entre todos nós, mas o nosso conselho entendeu que o Cuca já tinha dado todas as suas explicações, já tinha dado todos os seus pronunciamentos. O Cuca é o técnico mais vitorioso na história do Galo, tem o apoio da nossa diretoria, do nosso conselho e já vai ser apresentado agora no dia 13 (segunda-feira).
Cuca tem a fama de não cumprir contratos e sair antes do fim do vínculo, como já fez no Atlético. Mas dessa vez pediu dois anos de contrato e disse que quer ficar ‘muito tempo’. O clube confia nisso?
Estamos confiantes, mas pensamos que o (Gabriel) Milito fosse ficar aqui mais tempo. Hoje a SAF do Atlético quer muito planejamento de longo prazo, mas a gente entende que futebol tem suas características muito peculiares e que às vezes é difícil segurar. Você tem pressão, você tem resultado, é um pouco disso.
O Atlético é uma SAF e muitos dirigentes falam em administrar os clubes, até os que se mantêm no modelo associativo, como se fossem empresas. Só que o futebol lida com a paixão e a irracionalidade, ao contrário do meio empresarial. Você esperava viver o que tem vivido aqui?
Eu vim para o clube no meio de 2022, e naquele momento eu estava praticamente focado para poder fazer a transição e fazer a transformação da SAF, fazer a integração da arena com a SAF, que era o meu papel original. Para mim, o maior desafio quando vim foi equilibrar essa questão de razão e emoção. Enquanto estava na obra (da Arena MRV) era praticamente só razão, engenharia, e esse, sem dúvida, é um desafio grande.
Acha que tem sido bem-sucedido?
Acho que estamos no caminho certo, fazendo as coisas que devem ser feitas, enfrentando todas as dificuldades.
O que esperar do Atlético em 2025?
A gente vai brigar pelo Brasileirão, pela Copa Sul-Americana e nós vamos brigar pela Copa do Brasil. A gente sabe que cada vez mais o Campeonato Brasileiro vai se tornando competitivo, novas safes, mais investimentos, mas a gente acredita que a gente tem competência e qualidade para tentar também brigar em alto nível. Sabemos as dificuldades, que ganha um só. Nós temos esses times que estão fazendo investimentos altíssimos, mas nós estamos na briga.
Por que o clube decidiu buscar um novo executivo de futebol?
A gente está em conversas com algumas pessoas do mercado, a ideia é que a gente traga um novo executivo para o futebol, para que a gente possa organizar essa visão de curto prazo, que o diretor de futebol acaba ficando muito focado no futebol profissional, mas a gente entende que faz parte da estratégia do Atlético esse equilíbrio entre futebol profissional, masculino e feminino, e a base Ele vai cuidar de tudo isso.
Qual perfil de executivo que agrada?
Tem dois tipos de perfis, e aí vai depender muito de como o conselho enxergar. Você tem um perfil daquele cara que está mais envolvido com o futebol e consegue estar mais ligado ao profissional, e às vezes fala mais, mais eloquente, mais presente, que é um perfil comum. Tem aquele perfil daquela pessoa que está acostumada a gerenciar processos, também com histórico no futebol, que talvez seja um perfil mais discreto.
Sobre a Arena MRV, o que acha que deu certo e o que não deu desde que o estádio foi inaugurado?
Sou muito suspeito para falar, porque estive na construção da arena desde o início. Sabia de muitos dos desafios que a gente tinha, uma coisa foi construir, outra coisa foi entrar em operação, falei isso algumas vezes, mas os números da arena acabam dizendo por si só. São 42 jogos, nós estamos falando de R$ 97 milhões de bilheteria nesses um ano e quatro meses, uma margem líquida de operação de 70%, aproveitamento alto como mandante, R$ 11 milhões nesse um ano com alimentação e bebidas, muita coisa funcionou. Eu acho que é muito mais positivo do que negativo. E a gente teve nossos percalços também, a questão do gramado, eu também disse diversas vezes no início da operação que sempre seria um problema para a gente, pela questão de iluminação, pela questão da insolação.
Não era possível manter uma grama natural de boa qualidade no estádio?
Era muito difícil que a gente mantivesse o gramado natural. A gente tinha uma limitação de legislação também, que conseguimos superar. A questão da acústica era uma coisa também bastante relevante em função das exigências legais que a gente teve que cumprir, nós tivemos que trocar a nossa cobertura no meio da obra para manter uma quantidade de decibéis internos. Isso nos custou muito e obviamente absorveu grande parte do som. Agora, estamos tentando fazer algumas modificações. Mas, fora isso, eu diria que a arena é um equipamento de mais alto nível, talvez uma das melhores arenas do Brasil, com muita tecnologia, uma média de público elevadíssima. Então, vejo só com muito bons olhos e ciente dos desafios, das melhorias que a gente tem pela frente e para deixar as adaptações necessárias A gente pôde mostrar como um ativo totalmente correlacionado ao futebol tem trazido, de fato, um impacto para a gente, significativo tanto na linha de bilheteria quanto na linha de receitas.