Estudo inédito realizado sobre a mudança de treinadores em times de futebol nas principais ligas do mundo apontou o Brasil como líder no quesito. Entre 2003 e 2018, foram 594 vezes trocas de técnicos na elite do Campeonato Brasileiro, uma média de 37 mudanças por temporada, contando os profissionais interinos. São, em média, quase dez trocas a mais do que ocorre na primeira e na segunda divisões da Espanha, que, somadas, aparecem em segundo no ranking. Mesmo sem contar os técnicos interinos, o Brasileirão continua na frente de todos os outros campeonatos, com uma média de quase 29 mudanças por ano.
Para Matheus Galdino, que realizou o estudo baseado na econometria ao lado de Pamela Wicker e Brian Soebbing, a quantidade de trocas de treinadores no futebol brasileiro é o "retrato do amadorismo dos dirigentes". Ele também aponta outros "culpados" pelas constantes mudanças no comando das equipes, como os próprios técnicos e até mesmo os torcedores.
"O que os dados analisados mostram é um retrato do amadorismo dos dirigentes do País. Não conseguimos achar apenas um culpado, mas o dirigente é o principal responsável. É preciso ter maior responsabilidade no processo seletivo, que é negligenciado, porque acabam tomando a decisão de contratar um novo treinador em poucas horas", analisou Galdino, que é mestre científico em Gestão Esportiva pela Universidade do Esporte da Alemanha em Colônia (Deutsche Sporthochschule Köln), em entrevista ao Estadão.
O especialista explicou por que os técnicos e os torcedores também têm parcela de culpa nas mudanças. "Os treinadores precisam de uma organização coletiva mais profissional, eles estão engatinhando ainda nesse trabalho. O treinador é depreciado no sistema e o jogador é supervalorizado. Já os torcedores, que são quem pagam as contas do clube no final, precisam exigir maior transparência dos clubes na tomada de decisão, exigir explicações sobre os motivos das mudanças. Porque os dirigentes vão a público para dar entrevista coletiva com os mesmos argumentos de sempre, sem explicar de maneira transparente até quais são as despesas envolvidas nessas trocas".
O treinador é depreciado no sistema e o jogador é supervalorizado
Matheus Galdino, mestre científico em gestão esportiva
O estudo analisou os Campeonatos Brasileiros de 2003 (quando teve início a fórmula de pontos corridos) a 2018, porque 2019 foi o ano de conclusão do trabalho. No ano passado, a competição teve 19 trocas. Nesta temporada, até agora, já foram 19 mudanças, restando ainda mais 15 rodadas para o término do torneio. Apenas seis clubes permanecem com técnicos que iniciaram o Brasileirão: Atlético-MG, São Paulo, Grêmio, Fluminense, Santos e Ceará.
Ainda de acordo com o estudo, "as mudanças de treinadores de futebol durante o Brasileirão não carregam efeitos práticos para a melhoria de rendimento esportivo de seus respectivos clubes. Em outras palavras, um novo treinador sozinho não muda a trajetória na realidade".
O trabalho aponta três fatores que influenciam o resultado da partida: mando de campo (262% a mais de chance de vitória para os mandantes), se é um clássico local (diminui 19,3% a chance de triunfo) e diferença entre os times na tabela (chance de vitória aumenta 2,3% a cada ponto de vantagem).
CAUSAS DAS MUDANÇAS
São três fatores principais que influenciam nas trocas de técnico: rendimento esportivo nos últimos quatro jogos, expectativas superestimadas e desempenho em competições paralelas ao Brasileirão. As três causas convergem para um mesmo problema: na maioria dos casos, os dirigentes não estão pensando a longo prazo, na temporada inteira.
"O futebol brasileiro é especulativo. A decisão não é tomada pelo resultado em si, e sim pela expectativa criada pela diretoria e pela imprensa em relação ao resultado", explica Galdino. O estudo usou dados de sites de apostas esportivas para fazer a análise de favoritismo de cada equipe nas partidas.
CONSEQUÊNCIAS DAS TROCAS
O estudo aponta as consequências das trocas para os técnicos. "Para os treinadores, o principal ponto crítico de reflexão extrapola a profissão. Isto porque, além de evidenciarmos a instabilidade crônica da sua função no país, também percebemos sinais de frustração, ansiedade e estresse reportados publicamente pelos profissionais brasileiros ao longo desta pesquisa acadêmica. Ou seja, a insegurança na carreira profissional carrega indícios prejudiciais à saúde mental e física dos treinadores, que sofrem com oscilações de temperamento, sono desregulado e até mesmo disfunções cardiovasculares em casos extremos", alerta o trabalho.
SOLUÇÃO
Para os pesquisadores, os clubes têm de passar por mudanças estruturais para diminuir as trocas de técnicos. Só isso não basta, porém. É preciso alterar o comportamento cultural dos dirigentes brasileiros.
"Medidas profissionais podem ajudar a modificar tal postura crônica, como a implementação de um recrutamento cuidadoso e criterioso na seleção dos treinadores, aliado a produção de conteúdo estratégico com o departamento de comunicação do clube (apoiando o treinador com iniciativas que transmitam uma visão construtiva do líder técnico aos seus torcedores), além do investimento primordial em ciência e tecnologia como mecanismos que potencializem o trabalho do treinador e sua comissão técnica, beneficiando o rendimento esportivo do clube em longo prazo", indica o estudo.
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