A Polícia Federal prendeu hoje o policial civil Cyllas Elia, presidente e fundador do 2 Go Bank, uma fintech que é investigada sob a suspeita de lavar dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC). Ele foi citado na delação feita pelo empresário Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, assassinado no dia 8 de novembro quando desembarcava no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. O delator havia denunciado a fintech dias antes, ao depor no dia 31 de outubro.
A fintech negociava um contrato com o Corinthians para abrir uma espécie de banco do clube. Em nota, a 2GO Instituição de Pagamento informa que está colaborando com as investigações e segue à disposição das autoridades. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Elia. A direção do Corinthians confirmou a negociação com a fintech, mas disse que ela foi descartada no começo do mês de um processo seletivo que o clube está fazendo.
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O Corinthians tem o interesse de fazer uma integração financeira em diferentes áreas, especialmente na ligada à Neo Química Arena, cuja dívida é superior aos R$ 700 milhões. O Estadão teve acesso ao projeto de 31 páginas apresentado pela Fintech ao Corinthians. Ele é assinado por Cyllas Elia.
Nesta quinta-feira, os conselheiros do Corinthians vão decidir se abrem processo de impeachment contra o presidente Augusto Melo. Melo é acusado de suposta gestão temerária do clube e diz ser vítima de uma tentativa de golpe.
A 2GO Bank havia procurado o clube ainda em fevereiro para oferecer uma plataforma de unificação das operações relacionadas ao programa Fiel Torcedor, vendas de alimentos e bebidas, aplicativo do clube, CRM exclusivo voltado ao engajamento e consumo do torcedor, e banco oficial do Corinthians. À época, outras 20 empresas do ramo também entraram em contato com a diretoria para apresentar projetos.
A parceria teria como princípio compartilhamento de receita líquida, com as partes dividindo os lucros gerados após a dedução dos custos operacionais. O Corinthians também se comprometeria a permitir que a 2GO implementasse a solução em todas as áreas estratégicas, incluindo a Arena em Itaquera, loja oficial, o clube social e os canais de relacionamento com os torcedores. Pela exclusividade do projeto no período de 10 anos, o banco ofereceu luvas de R$ 100 milhões, com pagamento parcelado em quatro vezes.
Ao longo do processo, a 2GO Bank ficou entre seis empresas mais bem avaliadas pelo Corinthians por apresentar uma proposta considerada interessante ao clube. O projeto foi enviado pelo banco no dia 31 de outubro. A diretoria informou ao Estadão que foi pega de surpresa com a informação envolvendo o nome da empresa na delação de Vinicius Gritzbach e travou o processo de avaliação. A proposta da fintech não chegou a ser levada para o setor de compliance.
O reportagem apurou ainda que o projeto do banco não está entre os três considerados mais favoráveis ao Corinthians. Pesou contra a oferta de exclusividade por uma década. A diretoria considerou o período longo demais e entendeu que poderia ficar com a gestão engessada para novas negociações.
Procurada pelo Estadão a respeito da parceria com o Corinthians, a 2GO afirmou que “é uma instituição de pagamento que oferece soluções inovadoras voltadas ao meio esportivo e ao universo do futebol e que busca parcerias com grandes clubes e torcidas do País, sempre pautadas por ética, transparência e respeito aos valores dos nossos potenciais parceiros”. O banco destacou ainda que “projetos e parcerias só são divulgados publicamente após a formalização dos contratos e com o consentimento das partes, em conformidade com nossa política de confidencialidade.”
Investigações do Gaeco e da Polícia Federal
O 2GO Bank processaria cerca de R$ 30 bilhões por ano em transferências entre grandes empresas e bancos. Ela entrou na mira das investigações do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, após ser alvo da delação de Gritzbach.
Em seu depoimento à Corregedoria da Polícia Civil, o empresário disse que o banco havia sido idealizado por Rafael Maeda, um traficante do PCC e que estaria em nome do policial civil. Elia trabalhava no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), mas se licenciou do serviço para cuidar de seus negócios.
Com sede no Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, o 2GO Bank abriu em 2023 o chamado Banco do Torcedor, no qual fornece serviços financeiros como conta corrente, pix, cartão e seguro para o torcedores de clube de futebol. Também se apresenta como uma fonte adicional de receita para clubes, integrando serviços de compra de ingresso, e-commerce de artigos esportivos, serviços de apostas e programas de benefícios para os torcedores.
O 2GO Bank mantém acordo com a Torcida Independente, do São Paulo Futebol Clube. Também usou dois jogadores de futebol – um identificado com o Flamengo e outro com o São Paulo – com passagens pela seleção brasileira em peças publicitárias, mas nenhum deles é citado nas investigações, assim como a torcida, cujo presidente, Henrique Gomes, o Baby, informou à reportagem ter apenas contratado o “serviço do banco”.
Além do depoimento na Corregedoria, Gritzbach detalhou no Anexo II da proposta de delação, o envolvimento de Maeda com o PCC e as fintechs. Piloto de Fórmula HB20 e vendedor de carros, Maeda agenciava atletas de futebol e enviaria dinheiro ao traficante Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, assassinado em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé, na zona leste.
Segundo a delação, Maeda teria participado do sequestro de Gritzbach ao lado de Cláudio Marcos de Almeida, o Django, outro importante traficante do PCC. O delator fora sequestrado em janeiro de 2022 porque o PCC o acusava de ser o mandante da morte de Cara Preta. Como Django decidiu soltá-lo, a facção decidiu, em seguida, executar o traficante.
Segundo Gritzbach, Maeda “estava no local de desova do corpo de Django”. O delator afirmou ainda que Maeda “morreu de forma suspeita”. O Japa do PCC foi encontrado com uma arma na mão dentro de seu carro na garagem de um prédio, no Tatuapé, em 4 de maio de 2023. Gritzbach afirmou na Corregedoria que Maeda “participava de negociações” com outra fintech e se dizia dono da 2GO Bank, onde figuraria como sócio “um policial civil”.
Na manhã desta terça-feira, a 2GO Bank foi um dos alvos da Operação Tai-Pan, feita pela PF para desarticular um grupo formado por três fintechs que teriam movimentado R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos para “diversas organizações criminosas”. Os investigadores põem sob suspeita transações mantidas entre pessoas e empresas que somam, entre crédito e débito, R$ 120 bilhões de reais. O líder do grupo, sozinho, teria movimentado, em 2024, R$ 800 milhões.
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