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MP assinada por Bolsonaro não tem validade para competições atuais e é criticada por advogados

Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que decisão beneficia apenas os grandes clubes e que deveria ser avaliada de forma mais equilibrada, sem necessidade de urgência

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O presidente da República Jair Bolsonaro assinou na última quinta-feira a Medida Provisória 984/2020 que, dentre outros pontos, altera a forma de negociação dos clubes com as emissoras de TV sobre os direitos de transmissão das partidas. O que poderia significar uma independência dos clubes e uma nova fase das exibições dos jogos na televisão pode se tornar um problema para o futebol brasileiro na visão de advogados especialistas na área.

O Estadão ouviu advogados do direito desportivo, sem ligação com clubes ou canais de TV e a Rede Globo, principal emissora que transmite jogos, para saber o que eles pensam sobre o assunto. De modo geral, afirmam que a MP não tem validade sobre os contratos já em vigência, ou seja, campeonatos estaduais e nacionais não deverão sofrer mudanças em relação aos direitos de transmissão até que o atual contrato se encerre - a maioria deles vai até 2024.

MP assinada por Bolsonaro não tem validade para competições atuais Foto: Gabriela Biló/Estadão

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"Entendo que as regras do jogo não podem ser mudadas com o campeonato em andamento. Assim, os efeitos jurídicos da MP seriam válidos apenas para os novos contratos de transmissão. Os contratos de transmissão já firmados devem obedecer as leis que eram vigentes à época de sua assinatura devido ao chamado 'ato jurídico perfeito'. Se estas leis demandavam que para uma partida ser transmitida ambos os clubes tivessem contrato com uma mesma emissora, é isto que deve valer até o final deste contrato. Caso contrário, o futebol virará uma bagunça, sem qualquer segurança jurídica", diz Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo. 

Leonardo Andreotti, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo adota a mesma linha de raciocínio. "A MP não me parece ter validade em cima dos contratos em vigência. Esse tema do direito de arena é extremamente sensível, específico e complexo, demandando um estudo pormenorizado da questão, no que resulta nada conveniente tratá-lo via MP", destacou o advogado. "Tratar o assunto de uma forma urgente, talvez não tenha sido o melhor caminho", completou. 

Se estas leis demandavam que para uma partida ser transmitida ambos os clubes tivessem contrato com uma mesma emissora, é isto que deve valer até o final deste contrato. Caso contrário, o futebol virará uma bagunça, sem qualquer segurança jurídica'

Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo

O que diz a MP 984? 

Em relação aos direitos de transmissão, a Medida Provisória diz que a partir de agora, os clubes mandantes terão o direito de transmissão da partida. Antes, seguindo a Lei Pelé, uma emissora de TV só poderia passar um jogo caso tivesse acordo com as duas equipes. Para entender melhor, segue um exemplo fictício: Supomos que Flamengo e Corinthians vão se enfrentar. O Flamengo tem acordo com a Rede Globo e o Corinthians com a Turner (Esporte Interativo). Quando a partida for mando do Fla, a transmissão será da Globo (que pode passar por qualquer de seus canais, TV Globo, SporTV ou Premiere) e quando o mando for do Corinthians, é a Turner que transmitirá (através do Space ou da TNT). 

"Mas o que é melhor para os clubes (e para o esporte)? Uma negociação individual do mandante ou uma negociação coletiva pelos clubes? Me parece que a negociação de forma coletiva acaba beneficiando a coletividade, resultando em maior equilíbrio financeiro e, por via de consequência, técnico, da competição que disputam", questionou Andreotti. 

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Me parece que a negociação de forma coletiva acaba beneficiando a coletividade, resultando em maior equilíbrio financeiro e, por via de consequência, técnico, da competição que disputam

Leonardo Andreotti, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Para Carlezzo, a MP pode criar um abismo ainda maior entre os grandes, médios e pequenos clubes. "Esta MP representa um risco para o futebol brasileiro, pois claramente é casuística, sem qualquer urgência ou relevância, que seriam seus pressupostos constitucionais. Poderemos ter 20 emissoras diferentes transmitindo o Campeonato Brasileiro. Isso gerará aos clubes grandes super contratos, multimilionários, e os clubes médios e pequenos receberão apenas as migalhas que sobrarem, aprofundando o abismo financeiro no futebol brasileiro", destacou o advogado. 

O temor é que as emissoras de TV paguem alto valor para os grandes, que darão maior audiência, enquanto os times medianos ou pequenos receberão valores bem menores, já que a emissora terá interesse real apenas nas partidas em que esses menores enfrentarem os grandes. 

No Rio de Janeiro, a Globo tem acordo com quase todos os clubes para transmissão do Estadual. A exceção é o Flamengo, que diz ter intenção de passar seus jogos na Fla TV, seu canal de Youtube. Na quinta-feira, logo após o anúncio da assinatura da MP, a Rede Globo divulgou uma nota deixando clara que não irá mudar as transmissões das competições com contratos já firmados e quem passar os jogos do qual ela tem a exclusividade de transmissão, poderá ser processado. Leia a nota:

Sobre a Medida Provisória 984, que alterou a lei Pelé e determinou que os clubes mandantes dos jogos passem a ser os únicos titulares dos direitos de transmissão, a Globo vem esclarecer que a nova legislação, ainda que seja aprovada pelo Congresso Nacional, não modifica contratos já assinados, que são negócios jurídicos perfeitos, protegidos pela Constituição Federal. Por essa razão, a nova Medida Provisória não afeta as competições cujos direitos já foram cedidos pelos clubes, seja para as temporadas atuais ou futuras. A Globo continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos.

O que é uma Medida Provisória?

A Medida Provisória é um ato com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência. Ela tem validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Se ela não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, a MP tranca a pauta de votações da Casa em que se encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada.  

Ao chegar ao Congresso, é criada uma comissão formada por deputados e senadores para aprovar um parecer sobre a Medida Provisória. Em seguida, o texto vai para o Plenário da Câmara e para o Plenário do Senado.  Se a Câmara ou o Senado rejeitar a MP, os parlamentares têm que editar um decreto para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência.

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Se o conteúdo de uma Medida Provisória for alterado, ela passa a tramitar como projeto de lei. Depois de aprovada na Câmara e no Senado, a MP é enviada à Presidência da República para sanção. O presidente pode vetar o texto parcial ou integralmente, caso discorde de eventuais alterações feitas no Congresso. Ele aprovando, a MP se torna lei.