Uma mulher obstinada

O nome dela é Marta Vieira da Silva, mas pode chamar de “Pelé de Saias” que ela atende. E não é por menos, afinal Marta é dona dos últimos cinco troféus de melhor jogadora do mundo dados pela Fifa e coleciona títulos por onde passa

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Por Redação

O nome dela é Marta Vieira da Silva, mas pode chamar de "Pelé de Saias" que ela atende. E não é por menos, afinal Marta é dona dos últimos cinco troféus de melhor jogadora do mundo dados pela Fifa e coleciona títulos por onde passa. O último foi o Torneio Internacional Interclubes, em janeiro, pelo Santos. Mas essas conquistas de menor importância já não a seduzem mais. E, para uma atleta do porte de Marta, qualquer taça que não seja de nível mundial é de menor importância. Por isso, ela está obstinada em ganhar a Copa do Mundo que será disputada em junho e julho na Alemanha, e os Jogos Olímpicos de Londres ano que vem.

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Aos 24 anos, ela está no auge. E mais forte. Sessões quase diárias de musculação tornearam os músculos dessa baixinha de 1,60 m e a deixaram pronta para aguentar as pancadas das zagueiras europeias e americanas. Mais madura e com a experiência de jogar no exterior desde 2004, ela conhece como quase ninguém as adversárias que o Brasil terá pela frente e confia que, enfim, chegou a hora de o País conquistar o mundo. "Agora, mais do que nunca, estou perto de conseguir esse objetivo", diz.

A atacante não esconde de ninguém que individualmente já se sente realizada. Mas também admite que sua carreira tem duas lacunas: os títulos mundial e olímpico.

A Seleção já esteve muito perto dessas conquistas. Em 2004 e 2008, ficou com a prata nos Jogos Olímpicos após perder duas finais na prorrogação para os Estados Unidos, e em 2007 foi vice-campeã mundial - caiu diante da Alemanha na decisão. A pior derrota foi a de Pequim-2008. Até hoje Marta não aceita o gol de Carli Lloyd aos cinco minutos da prorrogação depois de o Brasil ter jogado melhor grande parte da partida. Às amigas mais próximas, a atacante confessa que até hoje sente uma mistura de tristeza e raiva quando se recorda daquela partida.

Agora ela não admite outra posição que não seja o lugar mais alto do pódio. E tem trabalhado com afinco para atingir esse objetivo. Sua obstinação é tamanha que tem até exagerado nos treinamentos. "Ela se cobra muito. Às vezes, a gente tem de pedir para ela se poupar um pouco. A Marta leva tudo a sério. Quando as coisas não dão certo, ela se irrita até em treino recreativo", conta o técnico da Seleção Brasileira, Kleiton Lima.

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Assim como Marta, ele também acredita que o Brasil tem tudo para alcançar o topo do mundo, e entende a fissura da atleta. "Ela chegou muito perto e não pôde concretizar esse sonho. Bateu três vezes na trave e agora sente mais a responsabilidade."

Quem conhece Marta desde a infância diz que ele sempre foi assim. Desde os tempos em que arriscava os primeiros dribles em Dois Riachos, cidade encravada no sertão alagoano, distante 200 quilômetros da capital Maceió e com pouco mais de 11 mil habitantes e um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do País, ela era obcecada na busca pela perfeição. "Quando errava uma jogada, puxava os cabelos e chorava de raiva. Ela sempre foi uma pessoa muito determinada e sofreu muito para chegar onde está hoje", diz José Júlio de Freitas, o Tota, seu primeiro treinador.

Quando Tota viu Marta pela primeira vez, em 1995, ela tinha apenas nove anos, estava descalça e vestia shorts e camiseta surrados. A garota jogava bola debaixo de uma ponte no leito seco do rio que dá nome à sua cidade natal e chamou a atenção do hoje professor aposentado de Educação Física de 68 anos. "Pelo jeito das pernas e pelos seus movimentos já dava para perceber que ela levava jeito para a coisa. Mas não basta ter talento, tem de ter força de vontade. E isso a Marta tem de sobra. Ela fazia qualquer coisa para jogar futebol. Quando não tinha bola, juntava um monte de pano velho e ela mesmo fazia uma bola."

Marta sempre precisou driblar as dificuldades que a vida lhe impôs. Filha de um cabeleireiro e de uma zeladora da prefeitura, ela passou aperto quando criança. Audálio, o pai, deixou a família quando Marta tinha pouco mais de um ano. José, o irmão dez anos mais velho, assumiu então a figura paterna e ensinou Marta a matar rolinha para comer quando a fome apertasse. Para ajudar na renda familiar, ela vendia geladinho e fazia carreto na feira. Mas o que ela gostava mesmo era cabular aula para jogar futebol e andar a cavalo. Na 5ª série do Ensino Fundamental, aos 11 anos, abandonou a escola. Aos 14, encarou três dias de ônibus rumo ao Rio, onde foi tentar a sorte no Vasco. Deu certo, e aos 17 já estava na Suécia defendendo o Umeå.

"Quando desci do avião me assustei com tanto gelo e perguntei: 'Será que neste país se joga futebol?' Não sabia brincar com a neve, fiz uma bola e a joguei lá pro alto", disse Marta em depoimento ao jornalista Diego Graciano, autor da biografia não autorizada - e não publicada - Você é mulher, Marta!.

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Hoje, a atacante já sabe brincar com neve, mas ainda cultiva hábitos simples. Quase nunca é vista à noite. Só abre uma exceção quando passa férias em Alagoas. Lá, gosta de andar de chapéu de boiadeiro, chinelo de dedo, frequentar vaquejadas e se dá ao direito de beber algumas doses de whisky.

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Marta vira celebridade quando chega em Dois Riachos, mas nem sempre foi assim. Na infância, foi vítima de muito preconceito. Os comentários eram de que futebol era coisa para "macho".

Certa vez, quando tinha 12 anos, chegou a passar apuros em Jacaré dos Homens, também no sertão alagoano. "Ela usava um cabelinho amarrado e começou a dar dribles desconcertantes nos garotos. Estava inspiradíssima. Aí, uns maloqueiros vieram para mim e disseram que iam tirar a roupa dela para ter certeza de que ela era mulher mesmo, mas eu não deixei", afirma Tota, que diz que sua parcela na formação de Marta como jogadora foi pequena. "Ela é um fenômeno da natureza. Não tem nem o que ensinar para uma pessoa dessa."

Kleiton Lima concorda. "A única coisa que preciso cobrar nos treinos é que ela se entregue naquilo que está vivendo no momento", diz. E o "momento" de Marta é se preparar única e exclusivamente para chegar voando ao Mundial. "Por mais que ela já tenha ganho muitas coisas, o que ela quer mesmo é ajudar o Brasil a conquistar aquilo que o País ainda não tem, que são a Copa do Mundo e a Olimpíada."

Marta faz mistério sobre o seu futuro, mas depois de uma passagem relâmpago pelo Santos (ficou apenas dois meses no clube), a atacante deve continuar sua preparação para o Mundial no Western New York Flash, clube com o qual já tem tudo certo para jogar a Liga Americana de Futebol Feminino. É lá que estão as melhores atletas do mundo. É lá que ela desfila o seu talento. Ano passado, pelo Gold Pride, foi campeã, artilheira e melhor jogadora do torneio.

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"Marta é uma jogadora fantástica. Depois da sua vinda para cá, em 2009, a média de público aumentou cerca de 20%. Todos querem vê-la jogar", afirma Robert Penner, porta-voz da Liga.

Os dirigentes do Western New York Flash, inclusive, já comparam a passagem de Marta pelos Estados Unidos com a de Pelé nos Cosmos nos anos 70, quando o Rei foi responsável por popularizar o esporte no país. "Ela nos faz lembrar os outros jogadores brasileiros altamente qualificados que influenciaram os fãs ao redor do mundo. O que ela tem feito com o futebol feminino é o mesmo que Pelé fez com os homens", diz o diretor de futebol Henrik Ambarchian.

Agora, só falta conquistar o mundo com a Seleção Brasileira para não haver dúvidas de que Marta é, de fato, a "Pelé de Saias".

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