A medalha de ouro na pistola de ar 10 metros nos Jogos Pan-Americanos de Toronto mostra que Felipe Wu está no caminho certo para alçar voos mais altos, mas pouco deve influenciar na rotina de preparação para a Olimpíada do Rio. Um dos principais nomes do tiro esportivo ainda treina diariamente no quintal de casa, em São Paulo.
No estreito corredor, o alvo fica posicionado a 7 metros de distância. Dessa forma, Felipe tem de fazer algumas adaptações para se adequar à medida oficial. “Eu coloco uma máscara por cima do alvo, que deixa ele menor. O tamanho fica mais parecido com o que seria a 10 metros”, explica.
No entanto, essa limitação impede o atleta de se especializar na pistola 50 metros, sua preferência atualmente. Ele treina para essa categoria apenas nos fins de semana, quando viaja para o Curitiba. Felipe frequenta o Clube de Campo Santa Mônica ao lado da namorada e também atiradora Rosana Ewald, mas reconhece que o pouco tempo de dedicação é insuficiente no alto rendimento.
Mudar-se de vez para o Paraná não está nos planos de Wu. O atirador concilia a carreira de atleta com o curso presencial de Bacharelado em Ciência e Tecnologia na Universidade Federal do ABC. Mas ele sabe que é preciso mais esforço de sua parte à medida que a Olimpíada se aproxima. “Certamente eu terei que ir para outro lugar para treinar alguns meses antes dos Jogos Olímpicos.” No Pan de Toronto, Felipe conquistou a primeira vaga olímpica do Brasil no estande de tiro. Ainda que a decisão final seja da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE), tudo indica que o atleta representará o País na pistola de ar 10 metros em 2016.
A questão financeira também impede que ele priorize a pistola 50 metros. “Sairia mais ou menos R$ 700 por semana, o que daria R$ 36 mil até os Jogos Olímpicos. O problema é que não tem munição boa no Brasil. A gente traz o que sobra de competição e tem que economizar.”
Além do auxílio do programa Bolsa-Atleta, Felipe recebe salário do Exército desde 2013. A parceria abriu a possibilidade de Wu competir na categoria de longa distância mais cedo. Se não fosse militar, teria de esperar até os 25 anos. A maioria dos atletas chega ao tiro esportivo a partir das Escolas Militares pelo investimento necessário desde o início. “Recebi mensagens de algumas pessoas perguntando como entrar para o tiro. Vou falar que precisa gastar R$ 15 mil para começar? Falta apoio, incentivo para comprar material, para receber os atletas.”
Para Felipe Wu, há muito preconceito com a prática da modalidade e essa visão impede a aquisição de patrocínios individuais. “Poucas pessoas conhecem como é o tiro esportivo, muita gente já pensa em violência porque relaciona com arma. E arma está ligada à violência na nossa cultura. É muito ruim.”
A própria legislação brasileira também é um obstáculo na carreira do atleta. “Somos tratados como qualquer atirador que quer ter uma arma de defesa em sua casa, a burocracia é a mesma.” Depois dos Jogos Sul-Americanos de Santiago, no ano passado, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) deu duas novas pistolas para Felipe. “Tive de fazer a papelada de importação, demorou três meses para ficar pronto”, afirma.
A modalidade ainda tem de lidar com algumas dificuldades durante o transporte das armas em viagens internacionais. De acordo com Wu, cada companhia aérea tem suas normas a serem cumpridas, e os países de destino lidam com a situação de maneiras diversas. “Quando a gente pede autorização nos Estados Unidos e na Alemanha, eles emitem um papel, a polícia confere o número e libera. Mas tem países que exigem muitos papéis. Demorei sete horas para ser liberado do aeroporto na Rússia”, conta.