PUBLICIDADE

Publicidade

Pesquisa da USP aponta alta nas agressões contra mulheres após decepções no futebol

Estudo da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) registra elevação de 7,5% nos boletins de ocorrência quando ocorrem resultados negativos e inesperados no Brasileirão

Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

Em julho do ano passado, o Ministério Público de São Paulo denunciou o empresário Leonardo Ceschini pelo feminicídio de sua mulher, a representante comercial Érica Ceschini. Seis meses antes, o marido (corintiano) e a mulher (palmeirense) discutiram após a final da Copa Libertadores, vencida pelo time alviverde. A final gerou uma discussão entre a vítima e familiares de Ceschini e uma briga entre o casal. De acordo com os promotores, o “denunciado agiu por motivo fútil - simples discussão familiar fomentada por rixa esportiva”. O acusado responde ao processo em liberdade.

PUBLICIDADE

O caso foi uma das razões que levaram a economista Isadora Bousquat Árabe, mestranda da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, a investigar a relação entre fatores emocionais causados por resultados inesperados no futebol e a violência doméstica em São Paulo. O estudo de mestrado Gol Contra: Impacto das partidas de futebol na violência contra a mulher, concluído neste ano, registra que o número médio de boletins de ocorrência referentes a incidentes de violência doméstica aumenta 7,5% quando ocorrem resultados negativos e inesperados nos jogos de futebol.

Em outras palavras, a decepção com o time do coração pode ser um dos fatores que potencializam as agressões às mulheres. Mas a pesquisadora prega cautela na análise dos dados. “A pesquisa não mostra que o futebol é a única causa de violência contra as mulheres. Existem outros fatores, como consumo excessivo de álcool, além de questões econômico-financeiras, por exemplo. Mas os choques emocionais provocados pelo futebol podem significar uma das causas que potencializam essas agressões”, diz a pesquisadora.

Nesse contexto, o jogo de futebol pode representar um catalisador do desequilíbrio de poder entre homens e mulheres no ambiente doméstico, relacionado à masculinidade, competitividade, rivalidade e a hostilidade.

Policial Militar do Rio de Janeiro mostra o símbolo da campanha Sinal Vermelho contra a violência doméstica  Foto: DANIEL RESENDE / PAGOS

A pesquisa analisou 135 mil Boletins de Ocorrências de 737 municípios dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, no período de 2015 a 2019. O foco foram os crimes cometidos dentro do domicílio em que há relação entre agressores e a vítima (parceiro ou ex-parceiro). “Nós filtramos todos os crimes de violência doméstica que aconteceram dentro de casa em até quatro horas após os horários dos jogos. Independentemente da hora em que o crime foi notificado”, explica a economista.

Sob orientação da professora Paula Pereda, as ocorrências policiais foram cruzadas com os resultados dos jogos do Campeonato Brasileiro das Séries A e B no mesmo período. Ao todo, foram 3.800 partidas. A partir das informações dos principais sites de apostas esportivas, a pesquisadora definiu os resultados inesperados ou negativos, ou seja, aqueles que contrariavam a expectativa do mercado e da maioria dos apostadores. Quando existe grande expectativa de vitória, o choque emocional dos torcedores é maior.

Grupo de reflexão para homens enquadrados na Lei Maria da Penha na cidade de Pirajuí (SP) Foto: undefined / ESTADAO CONTEUDO

Para contornar a ausência de dados sobre a paixão clubística dos agressores, informação que não conta nos boletins de ocorrência, a pesquisadora usou uma plataforma chamada “Mapa das Curtidas”, desenvolvida pela rede social Facebook e o site Globo Esporte, que traz dados sobre as páginas dos clubes que receberam mais curtidas no País em 2017. É um termômetro sobre a popularidade de cada clube em cada região.

Publicidade

Os resultados obtidos no estudo da FEA são semelhantes aos de uma pesquisa feita nos Estados Unidos, em 2011, que também investigava os resultados inesperados de partidas de futebol e os impactos no comportamento violento dos indivíduos. Lá, os pesquisadores da Escola de Direito da Universidade da Califórnia analisaram os casos de violência contra as mulheres ocasionados por resultados inesperados na NFL, a liga esportiva profissional de futebol americano. Os casos de violência aumentaram em média 10%.

A economista Isadora Árabe é a autora da pesquisa de mestrado 'Gol Contra: Impacto das partidas de futebol na violência contra a mulher' Foto: FEA / USP

Iniciativas para combater a violência contra a mulher

Outra pesquisa brasileira mostra resultados ainda mais preocupantes. De acordo com o estudo “Violência Contra Mulheres e o Futebol”, idealizado pelo Instituto Avon e encomendado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os boletins de ocorrências de ameaça contra meninas e mulheres aumentam em 23,7% quando um dos times de futebol da cidade joga. Foram analisados bases de dados de violência nos dias de jogos do Campeonato Brasileiro da Série A entre 2015 e 2018, em cinco capitais brasileiras: Rio, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Os dados reforçam a necessidade de políticas públicas e ações privadas de combate à violência doméstica, na opinião da pesquisadora. No universo do futebol, uma das ações foi a campanha do Ministério Público de São Paulo e a Federação Paulista de Futebol para o enfrentamento da violência doméstica no ano passado. Durante a transmissão das partidas do Campeonato Paulista, as entidades divulgavam mensagens para conscientizar o público masculino, majoritário nos estádios, a prevenir ciclos de agressões físicas e psicológicas contra a mulher. A campanha procurou estimular os torcedores a denunciarem situações de violência por meio do número 180.

Nesse contexto, a Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas, movimento do setor privado que trabalha pela conscientização e mobilização, conta com a assinatura e participação de clubes de futebol, como o São Paulo e o Sport.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.