Alguma coisa está acontecendo com os jogadores da seleção brasileira. Não dá para considerar normal o que ocorre dentro do grupo em relação à Copa América no Brasil. O descontentamento e medo motivam ações e reações. Os atletas, liderados pelos que moram na Europa, pediram primeiramente uma reunião com o técnico Tite para 'externar' o descontentamento com a disputa do torneio em meio à pandemia no País. Os atletas estão incomodados em jogar, como a Copa América veio parar no Brasil e sem qualquer conversa ou explicação com o elenco, seu capitão ou principais lideranças do time. Não são únicos. Há outros jogadores sul-americanos com os quais estão conversando para que não joguem a Copa América.

Não se trata de uma insubordinação. No dicionário, insubordinação diz respeito ao ato de se levantar, de se insurgir contra a autoridade ou ordem estabelecida, provocar uma revolta, uma rebelião. Não chegará a tanto. Seria pular algumas gerações da conduta dos jogadores de futebol. Tudo foi feito pisando em ovos. Tite ouviu seu grupo. Os atletas também pediram para falar com o presidente da CBF, Rogério Caboclo, que perde respeito gradativamente no futebol desde aquele vídeo da reunião com os dirigentes de clubes, em que não deu a palavra a ninguém e 'ameaçou' todos eles a jogar. Um vídeo da ESPN. Todas as entrevistas da semana foram canceladas. Havia um motivo. Eles não querem a Copa América.
"Temos uma opinião muito clara e fomos lealmente, numa sequência cronológica, eu e Juninho, externando ao presidente qual a nossa opinião. Depois, pedimos aos atletas para focarem apenas no jogo contra o Equador. Na sequência, solicitaram uma conversa direta ao presidente. Foi uma conversa muito clara, direta. A partir daí, a posição dos atletas também ficou clara. Temos uma posição, mas não vamos externar isso agora. Temos uma prioridade agora de jogar bem e ganhar o jogo contra o Equador. Entendemos que depois dessa Data Fifa, as situações vão ficar claras", previu o treinador. Tite e o coordenador Juninho Paulista estão fechados com os atletas. Podem pagar por isso.
É inegável que os jogadores estão mais engajados do que antes. Não pediriam reunião para nada. Isso não acontece com muita frequência a não ser para pagamento de premiação atrasada. Tem a ver também com o que ocorre no mundo, com as manifestações contra o racismo e qualquer outro tipo de amarras e preconceitos. Diante das revoltas sociais ocorridas nos EUA quando negros foram mortos e diante do slogan cada vez menos slogan e cada vez mais sentimento do Vidas Negras Importam (Black Lives Matter).
Tem a ver ainda com as cobranças que chegam a eles pelas redes sociais e outros canais de informação sobre posicionamentos necessários. Richarlyson, atacante do time, tem sido um desses caras incomodados com as mazelas do Brasil: fome, desemprego, covid... Há outros na mesma condição e, ao que parece, cada vez mais. Não são todos. Gabigol, titular da equipe, foi pego num cassino clandestino em São Paulo, sem máscara e sem respeito à doença. Foi multado. E agora está na seleção. Mesmo assim, qualquer movimento que saia dessa história, ele será unânime. Não haverá jogador que roa a corda.
Junta-se a isso o pouco valor que os torcedores têm dado para a seleção brasileira nos dias atuais, muito pelo mau e burocrático futebol, mas também por não se identificar com aqueles que vestem sua camisa. Essa identificação era maior no passado. Havia mais empatia e menos interesses financeiros. Mais comprometimento. Os jogadores da seleção parecem sempre enfadonhos, fechados em seus mundinhos e longe de tudo e de todos. São cobrados por isso ou desdenhados.
Por vezes, dão a impressão de ser um sacrifício jogar no time nacional. Não disputar a Copa América no Brasil é o pretexto que faltava para eles serem mais ouvidos e respeitados. Estão contra a disputa e não contra o presidente Jair Bolsonaro, pai da Copa América no País. Na verdade, os atletas são identificados, em sua maioria, com o presidente.
O que motivou a conversa com Tite e com o comando da CBF foi a competição ser empurrada 'goela abaixo' para o time. Acreditavam que ela não aconteceria. Os atletas da Europa também se depararam com um Brasil ainda refém da pandemia, com mortes na casa das 2 mil pessoas por dia e mais de 80 mil contaminados a cada 24 horas. Ficaram assustados ao conhecer os números dos vacinados em primeira e segunda doses. Quando estão fora, as notícias chegam com menor força. Às vezes nem chegam. Bastou uma semana no Rio, reunidos em Teresópolis, para viver uma realidade diferente. Dura.
OUTRAS SELEÇÕES
Há outros jogadores também incomodados com a disputa da Copa América. Os uruguaios Suárez e Viña foram os primeiros a se manifestar. São contrários à competição nesse momento no continente. Messi também estaria fora. Ele ainda trata sua renovação de contrato com o Barcelona. Todos eles são pressionados a voltar para casa, não se expor diante da doença no Brasil. Nem todos estão vacinados. Entendem que a disputa da Copa América não mudará em nada a condição profissional em seus respectivos clubes nem para a Copa do Mundo que se avizinha, no ano que vem, no Catar.
Querem também tirar mais uma competição do calendário. Menos jogos. Precisam descansar para não estourarem em novembro, quando o Mundial será disputado. Portanto, outros atletas sul-americanos podem aderir ao movimento e pedir dispensa de suas respectivas seleções. Estão todos conversando. Tudo isso deverá acontecer após os dois jogos das Eliminatórias, que valem vaga e classificação para a Copa de 2022. A Copa América não vale nada. É a quarta edição nos últimos seis anos.
Ocorre que possíveis pedidos de dispensa não vão inviabilizar, em princípio, a Copa América no Brasil. Ela vai acontecer com ou sem esses jogadores. Uma solução terá de ser encaminhada. A Conmebol trabalha a todo vapor com os governos brasileiros para a realização do torneio. Rio, Brasília, Cuiabá e Goiânia se preparam para receber as partidas. Todos os chefes de delegações já foram avisados dos trâmites legais, da busca por bases, das datas dos jogos e da necessidade das vacinas.
Por enquanto, nenhuma medida diferentemente de sua realização foi tomada. Há compromissos financeiros e direitos de transmissão dos jogos envolvidos em sua realização, na ordem de R$ 650 milhões. Na TV aberta, o SBT mostra. A Conmebol não abre mão disso. Nenhuma de suas competições em meio à pandemia foi cancelada. De Brasília, o tom é o mesmo dito pelo presidente Bolsonaro quando informou a disputa do torneio no País. "Para mim é assunto encerrado". Depois ele veio em cadeia nacional de TV para informar, além de outras medidas do seu governo, a realização da disputa.