Protagonistas de um processo de popularização iniciado há quase um ano, em razão da estreia nos Jogos Olímpicos, em Tóquio, o skate e o surfe se tornaram geradores de novas oportunidades para os atletas que praticam as duas modalidades. Skatistas e surfistas, dos mais conhecidos aos que ainda estão em busca de um espaço, não perderam tempo em aproveitar a visibilidade e construíram meios de fortalecer suas imagens frente ao público, mas sem se distanciar do nicho formado por aqueles que sempre se interessaram por esses esportes.
Luiz Francisco, o Luizinho, ficou em quarto lugar no skate park em Tóquio, portanto saiu de lá sem medalha, mas com a vida transformada. Hoje, ao competir, o jovem de 21 anos conta até com torcida organizada, pois faz parte do time de talentos da Loud, uma das empresas de eSports mais populares do mundo e conhecida pelo fervor de seus fãs, que torcem para ele nas competições com a mesma intensidade que torcem pelas equipes de Free Fire, Fortnite e League of Legends.
"O efeito Loud é muito sinistro. A torcida dos caras é muito fanática, é igual futebol a parada. Rolou uma galera totalmente diferente neste meio. Onde eu tenho campeonato, a Loud posta 'Luizinho na pista', e começam a subir tag. No Twitter, a gente fica ali no top dos assuntos. Fica uma parada muito doida, eu nem imaginava que isso pudesse acontecer", contou Luizinho ao Estadão.
O skatista foi anunciado como influenciador da Loud em julho do ano passado, semanas antes da Olimpíada no Japão, em um movimento da empresa que já previa o "boom" do esporte durante os Jogos. Pedro Quintas, também especialista no park, foi outro que entrou para o time. Desde então, Luizinho se divide entre treinos e lives jogando com os amigos. O foco dele é o Valorant, jogo de tiro em primeira pessoa. Tem também o GTA RP, modificação da famosa série em que os jogadores interagem interpretando papéis.
"Estar no meio é muito importante, eu era muito fã, e abriu muitas portas para mim. Chegou um público que é totalmente leigo. Chegou uma galera que curte o game, curte o hype da parada, é a coisa mais irada do mundo. Eu tinha uns 80 mil seguidores no Instagram, mas as pessoas estavam ali por causa do skate. Hoje eu tenho quase 350 mil. Depois desses 80 mil, veio a galera que é leiga", comentou.
Luizinho teve a vida transformada pelo skate, que o levou a fazer viagens internacionais e até a ter a casa reformada pelo Programa do Gugu. A entrada do esporte na Olimpíada provocou mais uma transformação e trouxe oportunidades, às quais ele agarra para garantir um futuro tranquilo. "Sei que minha carreira é curta no esporte. É difícil se manter competitivo. Sempre busquei outros meios. Eu quero, quando não estiver mais alta, trabalhar de outras formas."
Também preocupado em colher os frutos da valorização de sua imagem, o skatista paulista tem patrocínios de marcas como Monster Energy e G-Shock, e contratou recentemente uma empresa especializada exclusivamente na gestão de carreiras de atletas do skate e do surfe, a TheOne. A própria agência é um exemplo de possibilidade gerada pelo "boom olímpico" aproveitada por pessoas do meio.
Davison ‘Bob’ Fortunato, skate team manager da TheOne, é um skatista influente no cenário brasileiro e irmão mais velho do também skatista Gabriel Fortunato, um dos nomes fortes do esporte na atualidade. Ele lidera uma equipe que organiza redes sociais, patrocínios e viagens, e, além de Luizinho, cuida da carreira de promessas como Raicca Ventura, de 14 anos, Helena Laurino, de apenas 10, e Felipe Nunes, paraskatista eleito o atleta do ano em premiação da confederação Brasileira de Skate (CBSk) e da revista CemporcentoSKATE.
Para Bob, o crescimento do skate tem de ser explorado comercialmente, mas sem deixar o esporte perder sua essência, forjada na cultura de rua. "Pelo fato de eu andar de skate, de estar na rua, eu falo: 'é legal você ser campeão aqui, porém não esqueça que não era o skate que precisava da Olimpíada, era a Olimpíada que precisava do skate'. Qualquer skatista que treinar, vai conseguir competir. Tem de ter carisma, ser original e sua personalidade vai agregar valor às marcas."
O foco apenas nas competições, aliás, é algo que faz Luizinho se inquietar um pouco sobre o futuro do skate. Apesar da parte positiva, ele teme que novos praticantes, principalmente crianças, vivam sob a pressão por resultados, com pressa em estabelecer uma carreira. "Tenho medo de que o skate vire apenas um monte de robô de campeonato. Como a gente vê em casos na ginástica olímpica, por exemplo. A criança cresce fazendo este esporte visando a Olimpíada. A gente começou a andar de skate para ser skatista, não pensando em Olimpíada. Só quando isso foi confirmado que pensei: 'pô, isso pode mudar minha vida'".
FRUTOS COLHIDOS NO INÍCIO DO CAMINHO
De fato, hoje o skate e o surfe podem mudar muito mais a vida dos atletas do que antes, tanto pelo avanço da organização das competições quanto pelas oportunidades de mercado. Apesar de um ambiente propício à pressão, como em todo esporte competitivo, há atletas mais jovens que tratam os sonhos e responsabilidades com leveza, como é o caso da surfista Luara Mandelli, de 14 anos apenas.
Filha da surfista Thiara Mandelli e campeã do sub-14 do maior circuito de surfe amador do Brasil, Luara venceu 12 dos 16 torneiosdos quais participou em 2021. Ainda dando os primeiros passos para um dia integrar o Circuito Mundial e alcançar a sonhada Olimpíada, ela já é patrocinada pela empresa de antitranspirantes Above, ao lado de Neymar e o saltador Thiago Braz, e viajou recentemente para a Indonésia para treinar e produzir conteúdos para a Mormaii, empresa com a qual játem sua própria collab. Com um Instagram de mais de 75 mil seguidores, se acostumou a trabalhar sua imagem.
"Acho incrível mostrar como o surfe pode mudar a mente de qualquer pessoa. Mudou minha vida e pode mudar a vida de todo mundo. Eu acho um esporte demais e pode ser uma profissão. Meu sonho é viver de surfe", disse a surfista ao Estadão. "Gosto muito de falar com as pessoas, contar histórias, interagir com a galera, amo tirar fotos. Amo dar entrevistas, que é o jeito de eu me expressar, de conversar com as pessoas, para elas saberem quem eu sou. Meu sonho é ser campeã mundial e um dia chegar à Olimpíada. Isso é muito importante".
MEDINA
O surfe teve uma fase de popularização antes da Olimpíada por causa da "Brazilian Storm", com Gabriel Medina, rosto forte no mercado publicitário, como um dos protagonistas, além de Filipe Toledo e o medalhista olímpico Ítalo Ferreira. No pós-Tóquio, contudo, as oportunidades cresceram e até atletas em fases iniciais da carreira, como Luara, aproveitaram a visibilidade. Outros atletas, como o big rider Lucas Chumbo, já emprestam a imagem para setores que não têm uma relação natural com o surfe. No caso dele, o mercado das criptomoedas.
"É legal porque ele gosta de investir, ele está conectado com essa nova tecnologia. A gente está trazendo isso para o surfe e para o skate. É muito comum ver bancos tradicionais nesses esportes, a gente está tentando trazer os bancos que falam com público mais jovem. A gente busca estar conectado com a cultura de rua, a cultura de lifestyle do surfe, da praia, e ver quais são as marcas que podem explorar esse universo, essas promessas", explicou Dani Grubba, co-fundador e surf manager da TheOne.
CONTEÚDO É TRADIÇÃO
Surfista e fotógrafo, Grubba entende que o surfe, assim como o skate, tem de zelar por sua essência enquanto dialoga com o mercado, e a produção de conteúdo faz parte disso. "São esportes que tem uma forte característica na produção de conteúdo, isso desde o começo das primeiras tecnologias". As duas modalidades conquistaram um público fiel com o lançamento de vídeos a partir da popularização do VHS, no início da década de 80.
No skate, filmes como The Bones Brigade Video Show (1982) marcaram uma geração. A produção focada na histórica equipe criada pelo skatista Stacy Peralta, mostrava lendas como Tony Hawk, Steve Caballero, Rodney Mullen, Mike McGill, entre outros, executando as manobras mais impressionantes da época. Desde então, conteúdos do tipo são inerentes à cultura, e hoje ganham maior alcance na internet.
"O vídeo na comunidade do skate é o que determina quem são os skatistas ‘style’ e quem só compete. Você tem de ter conceito, e se você não tem conceito, você não consegue patrocínios legais, shape, etc. Se você for só competidor e não andar na rua, não mostrar, isso não vale de nada para a cultura. Essa parada de gerar conteúdo, filmar e tal, é normal da cultura do skate. Postar no Instagram, as marcas mandarem viajar, sair filmes sobre você em algum lugar", diz Bob Fortunato.
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