Um campeão de poucos gols

Faltou a esse time tão técnico aquele grão de loucura dos grandes craques

Claro que para quem é espanhol isso não tem importância. Imagino a festa que devem ter feito na Gran Via em Madri, ou em Barcelona e outras cidades desse país maravilhoso. Já era tempo de a Espanha ser campeã, pois poucos países como ela amam tanto o futebol. E, o que é mais importante, gostam do futebol bem jogado, ofensivo, criativo, tanto que existem dúvidas prévias sobre o estilo que José Mourinho vai impor ao Real Madrid. A Espanha venceu, tudo é festa, cor, alegria e então, que importância tem o fato de terem feito só oito gols em sete jogos? Para eles, repito, nenhuma. Para nós, que assistimos a essa festa de fora, chupando o dedo, talvez seja motivo de reflexão. Quem assistiu aos jogos da Espanha não viu nenhuma vez um futebol exuberante. Viu um futebol técnico, de muita posse de bola, um jogo detalhista, caprichado, de bom acabamento, jamais um chutão ou uma bola rifada, como se a equipe de Vicente del Bosque detestasse o desperdício. A bola deve ser tocada de pé em pé, em passes horizontais, até que alguma brecha se apresente. Poucas tentativas em profundidade, poucos dribles ? pois essas são jogadas arriscadas, nas quais se pode perder a bola caso não deem certo. Há quem discorde dessa filosofia de jogo. O fato é que a Espanha não a abandonou em momento algum. Nem quando estreou com derrota diante da retranqueira Suíça e ameaçou tornar-se o maior fiasco deste Mundial. Na ocasião, no calor da derrota, Fernando Torres disse que não iriam renegar suas ideias por um insucesso. É isso: a Espanha tem uma ideia de futebol, por paradoxo importada da Holanda, a quem derrotou na final, e não a abandonou ao primeiro tropeço. Perseverou. E foi recompensada. É preciso confiar em suas ideias. Esse é um ponto. O outro é que faltou a esse time tão técnico aquele grão de loucura, a imprevisibilidade que só pode vir dos grandes craques, dos foras de série que os europeus chamam de fantasistas. Esse time, baseado no Barcelona, não tem um inventor. Se tivesse, poderia ter resolvido seus jogos com mais facilidade. Não andará longe da verdade quem disser que a Espanha é um Barcelona sem o gênio de Messi que, no time catalão (e só nele), faz toda a diferença.