Uma novela

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Por UGO GIORGETTI

O livro se chama "Páginas sem glória" e se compõe de dois contos e uma novela. O autor é Sergio Sant'anna. O assunto da novela é o futebol. Pra quem não sabe, Sergio Sant'anna é um dos grandes escritores brasileiros da atualidade e esta é a grande novidade desse livro. É muito pouco comum que algum escritor de alto nível dirija sua atenção ao futebol. É raro, aliás, que algum artista, qualquer que seja sua atividade, em alguma ocasião faça do futebol seu assunto. Estou, é claro, falando de ficcionistas. Há documentários, biografias, ensaios, etc. Mas não ficção. É que ficção é difícil. Inventar heróis que se igualem ou até ultrapassem os heróis reais não é pra qualquer um. Por outro lado, só a ficção dá grandeza a um tema. Os heróis inventados são os que ficam. A literatura está cheia disso, mesmo o cinema. Portanto, a presença de um artista diferenciado no mundo do futebol é uma novidade notável. E a novela é preciosa. O escritor inverte de maneira brilhante o tratamento usual do tema. Ao invés de documento que parece ficção, é ficção que parece documento. De modo admirável usa os artifícios de um memorialista, mas está fazendo ficção de alto nível. Sergio Sant'anna utiliza-se de sua vida pessoal, de suas lembranças de adolescência para sobre elas construir sua invenção. E essa invenção é o Conde, personagem fascinante de um futebol soterrado no passado, num Rio de Janeiro que também já passou para a categoria de ficção, um pouco vago, brumoso, longínquo, exatamente como a fotografia da capa do livro, uma Copacabana irreal capturada pela câmera de um dos maiores fotógrafos do cinema brasileiro, o grande José Medeiros. É nessa cidade que se desenrolam as aventuras do Conde, paulista, exilado voluntariamente no Rio, craque da bola, cuja meteórica e pitoresca carreira é descrita na novela. Lá estão os grandes do Rio, sobretudo o Fluminense, time do Conde. E de Sergio Sant'anna. É o Tricolor de Didi, Castilho e Escurinho, visto pelos olhos de um garoto que não perdia nem treinos, onde se colocava a metros de distância desses craques... e do Conde. Aparecem também míticas equipes do Rio, em especial o Bonsucesso, que vai exercer papel determinante na carreira do Conde. Reaparecem ruas mágicas, perdidas na memória de gente da minha geração, como Teixeira de Castro, Bariri, Figueira de Melo, etc, jogos com trinta espectadores vendo Madureira, Olaria, São Cristóvão e Bonsucesso. De quebra o Jockey Club, o Copacabana Palace, o Catete, o cemitério São João Batista, palco de uma das mais incríveis aventuras do Conde. Parece tudo verdade, mas é tudo ficção. Mesmo quando o autor jura que é verdade. É assim que opera a grande literatura. Em tempo: além da novela sobre futebol, "Páginas sem glória" traz ainda dois contos que só confirmam o talento multiforme de Sergio Sant'anna.

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