Ainda são ações isoladas, que se arrastam por anos nos tribunais, mas alguns torcedores já descobriram o caminho da Justiça para pedir reparação por danos, físicos e materiais, sofridos no interior ou arredores dos estádios de futebol no Brasil. Acionam os organizadores e promotores das partidas, que são os clubes mandantes e as federações. Seus advogados baseiam-se no Estatuto do Torcedor, em vigor desde 2003, ou no Código de Defesa do Consumidor, de 1990, ao fundamentar as ações. E têm obtido sucesso nas demandas.Em 19 de outubro passado, por exemplo, a 8.ª Câmara de Direito Privado do Estado de São Paulo acolheu o pedido de pensão mensal e vitalícia em favor de um torcedor que foi atingido por um bomba de fabricação caseira, na Vila Belmiro, durante um clássico entre Santos e Palmeiras, disputado em 14 de maio de 1995. Segundo os autos, a bomba foi arremessada do setor onde se encontrava uma torcida organizada do Alviverde. Mas os condenados foram o Santos e a Federação Paulista de Futebol.A explicação: o Santos era o mandante da partida e deveria zelar pela segurança de quem fosse assisti-la; a FPF era a promotora e organizadora do Campeonato Paulista, competição pela qual o jogo foi disputado. Mesmo 17 anos depois do fato, ainda cabe recurso.Além da pensão, em valor a ser calculado ao fim de todas as instâncias se a decisão favorável ao torcedor for mantida, clube e federação ainda deverão pagar cem salários mínimos (R$ 62,2 mil) por danos morais e estéticos. A vítima da bomba, que prefere não ter o nome publicado, ficou mais de dois meses internada, precisou ser submetida a cirurgia estética, usa aparelho ortopédico e não pode mais exercer a profissão de motorista - está aposentado por invalidez.FPF e Santos tentaram reverter a decisão com argumento diversos. A federação alegou que o responsável por atirar a bomba foi condenado pelo ato (e que ele é quem deveria ser processado pela vítima), que a responsabilidade de providenciar a segurança é do clube mandante e que o trabalho fica a cargo do poder público. O Santos também tentou jogar a culpa para a polícia e alegou não haver, no processo, os "requisitos necessários ao reconhecimento de responsabilidade civil''. E Ambos argumentaram que não se aplicava o Estatuto do Torcedor, inexistente à época do incidente."Essa alegação não se sustenta, mesmo porque o Código de Defesa do Consumidor é mais importante (do que o Estatuto) e já existia na época do ocorrido'', diz o advogado Rodrigo Setaro, do Moraeu & Balera Associados. Ele destaca que a Justiça tem entendido, com base tanto no CDC como no Estatuto, que cabe, sim, ao promotor e ao organizador de um evento , zelar pela segurança dos espectadores.Setaro também trabalha no processo em que o São Paulo e a FPF foram condenados, igualmente pela 8.ª Câmara de Direito Privado, a pagar 120 salários mínimos (R$ 74,6 mil) e pensão mensal de aproximadamente R$ 950 a um torcedor que caiu de uma rampa do Morumbi em 1995. O incidente ocorreu antes de um São Paulo x Corinthians, quando a PM fechou os portões de acesso às arquibancadas para evitar superlotação.No tumulto, o torcedor, um pintor de paredes, caiu de uma altura de quatro metros, e, por conta dos danos físicos sofridos, tem dificuldade para exercer sua profissão. "O local (de onde o torcedor despencou) não tinha equipamento de segurança, como grade de proteção'', sustenta Setaro. "Meu cliente teve de ser hospitalizado e perdeu parcialmente as funções laborativas.''Primeiros passos. A quantidade de processos de vítimas de tumultos e atos violentos nos estádios de futebol ainda é pequena. Entre eles há um em Minas Gerais contra o Cruzeiro (leia mais nesta página) e um caso em que o Atlético-PR foi condenado a pagar R$ 3 mil a um torcedor atingido por uma placa de publicidade na Arena da Baixada. "O conceito de consumo de serviço ainda não está claro na cabeça do torcedor, nem dos clubes e nem das federações'', acredita o advogado.Clubes e federações também não alimentam o assunto, mas, para Setaro, a conscientização sobre direitos e deveres pode alterar esse quadro no médio prazo, tanto por parte dos torcedores como dos organizadores e promotores - que até para não ter prejuízos financeiros podem começar a tratar os consumidores do produto futebol com mais respeito.O advogado acredita que a Copa de 2014 pode ajudar nessa mudança de mentalidade. "É uma oportunidade de divulgar os direitos e deveres em relação à segurança. E, dependendo do que ocorrer na Copa, COL, CBF e a própria Fifa podem ser processados.''