Em uma decisão esperada há tempos, a Renault anunciou ontem o fim do seu programa de desenvolvimento de motores para a F-1, onde fornece esse equipamento para a equipe Alpine. O time de F-1, porém, segue funcionando, mas a partir de 2026 passará a usar motor de outro fornecedor, provavelmente da Mercedes-Benz.Outrora dominadora e referência em eficiência, a casa francesa há anos amarga o prejuízo de um time que caiu de rendimento a cada capítulo de uma novela focada em reorganização. Alteração que tem em sua essência exterminar programas que não geram o resultado esperado, a notícia da semana chega acompanhada de outras novidades: a associação entre Zak Brown e Michael Andretti.
Em 1966 a F-1 oferecia duas opções de motor: 3 litros aspirado ou 1,5l turbo. Em meados dos anos 1970 a Renault foi a primeira marca a investir na receita de motores turbo e pagar um preço alto pelo ineditismo dessa escolha: não havia fornecedores capazes de atender as necessidades de um motor turbo e a marca viu-se obrigada a desenvolver muitos sistemas e peças. Cereja desse bolo agridoce é o fato que a vitória de Jean-Pierre Jabouille no GP da França de 1979 - a primeira de um carro com esse motor - foi ofuscada pelo antológico duelo entre Gilles Villeneuve, com Ferrari, e René Arnoux, que terminou em terceiro com o outro Renault.
Após o aperfeiçoamento dos motores V6 EF, entre 1977 e 1988, a série V10 RS transformou-se na referência de confiabilidade e desempenho entre as temporadas de 1989 e 2005. Benetton, Ligier, Lotus e Williams usaram com sucesso essas máquinas, resultando em 12 títulos como fornecedora de motores e 11 de pilotos.
Em 2014 a categoria passou a usar motores V6 híbridos e a casa francesa começou a suprir esse equipamento para a Caterham, Lotus, McLaren, Red Bull e Toro Rosso e seus próprios times, Renault (2016/2020) e, desde 2017, a Alpine. Esta última fase, porém, foi marcada por um rendimento decadente a ponto de a equipe ter sido mencionada à venda várias vezes, algo sempre negado por seus diretores. Após várias reformulações internas e raros momentos de brilho, a diretoria da Renault preparou o ambiente para encerrar o investimento em seus próprios motores. Protestos e um período de negociações com os empregados de sua unidade em Viry-Châtillon, cerca de 35 kn ao sul de Paris, precederam o final dessa empreitada programada para o final de 2025. Desde ontem as instalações são conhecida como Alpine Hypertech, uma espécie de boutique de projetos especiais para a marca esportiva.
Coincidência ou não, também ontem foi anunciada publicamente a associação entre Zak Brown, diretor da equipe McLaren de F-1 e o também estadunidense Michael Andretti. Apaixonado pelo automobilismo desde criancinha, Brown tentou ser piloto, mas descobriu a tempo que se daria melhor gerenciando equipes e programas de patrocínio. Andretti foi mais longe e tem um currículo de conteúdo no Estados Unidos; na F-1 sua passagem foi nada mais, nada menos, do que um desastre: ele sequer terminou a temporada de 1993, quando dividiu a McLaren com Ayrton Senna até o GP da Itália e foi substituído por Mika Hakkinen.
A dobradinha Andretti/Brawn não é inédita: os dois estão ligados pela Walkinshaw Andretti United, equipe que disputa o Campeonato Australiano de Supercars, categoria semelhante à nossa Stock Car Pro Series. Além disso, a participação de Fernando Alonso na prova 500 milhas de Indianapolis teve a retaguarda da equipe Andretti. Daí a dizer que os dois estariam trabalhando para comprar a Alpine há uma distância enorme. Atualmente avaliada em US$1,4 bilhão, em torno de R$8 bilhões, seria preciso levantar muito dinheiro para fazer uma oferta. Não custa lembrar que a F-1 anda bem rápido.
A associação entre Andretti, que deixou o comando da Andretti Global, e Brown é na empresa denominada Andretti Acquisition Corp. II SPAC. Pelas leis americanas, a sigla SPAC identifica uma Empresa de Aquisição de Propósito Especial com a permite levantar dinheiro na bolsa para comprar outra empresa. Dessa forma é possível reduzir o tempo necessário para lançar ações de uma empresa já existente. Os franceses reiteram que a equipe não está à venda, mas ao tomar decisões pragmáticas como encerrar programas que não alcançam os objetivos estabelecidos, a Renault deixou claro que não teme tomar decisões duras.