É falso que um acordo de cooperação entre Brasil e China assinado durante o governo de Dilma Rousseff (PT) permita que o país asiático invada o Brasil em caso de "militares tomarem o poder à força". Durante os dois mandatos de Dilma, o Brasil assinou dois acordos bilaterais com a China e nenhum deles prevê invasão chinesa ao País, em qualquer circunstância. Pelo contrário, o acordo assinado em 12 de abril de 2011 e que trata especificamente de cooperação em matéria de defesa assegura que as duas partes se comprometem a respeitar a "integridade e inviolabilidade territorial, bem como não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados".

A afirmação falsa aparece em um vídeo de mais de cinco minutos de duração postado no TikTok e no Facebook e que acumula mais de 400 mil interações apenas na segunda rede. Além de mentir sobre o acordo de cooperação militar entre China e Brasil e afirmar que a invasão chinesa ao Brasil causaria milhares de mortes sem que nenhum país pudesse intervir, o vídeo também desinforma ao citar teorias da conspiração conhecidas, a exemplo da Nova Ordem Mundial e de falsos interesses da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo a narração do vídeo, a meta da Agenda 2030 é acabar com a propriedade privada e com direitos individuais, estabelecer o fim da família, do credo religioso e da liberdade de expressão. Nada disso é verdade. Entenda a seguir como funcionam os acordos entre Brasil e China firmados nos governos Dilma e do que se trata a Agenda 2030 da ONU.
Acordos bilaterais
A plataforma Concórdia, do Ministério das Relações Exteriores, que reúne um acervo de atos internacionais do Brasil desde 1822, aponta que o governo brasileiro firmou dois acordos bilaterais com a China durante os dois mandatos da ex-presidente Dilma Rousseff. O primeiro foi feito em abril de 2011, já nos primeiros meses do governo da petista. Em Pequim, Dilma e o então presidente chinês, Hu Jintao, assinaram acordos de cooperação nas áreas de política, defesa, ciência e tecnologia, recursos hídricos, inspeção e quarentena, esporte, educação, agricultura, energia, energia elétrica, telecomunicações e aeronáutica, entre outros.
Um comunicado conjunto com um resumo dos acordos assinados em 12 de abril daquele ano está disponível em PDF na plataforma Concórdia, assinado pelos dois presidentes.
Também na plataforma, é possível acessar a íntegra do Acordo entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Popular da China sobre cooperação em matéria de Defesa, assinado no mesmo 12 de abril de 2011, pelo então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio de Aguiar Patriota, e pelo Ministro da Defesa da China, general Liang Guanglie.
Acordo entre Brasil e China sobre cooperação em matéria de Defesa (2011)
O acordo tem dez artigos que estabelecem as áreas e as formas de cooperação. De acordo com o documento, os dois países concordam em fazer um "intercâmbio de experiências e cooperação em produtos e serviços de defesa e sua respectiva gestão, pesquisa, aquisição, utilização e manutenção"; "intercâmbio de experiências em operações militares, incluindo as operações de manutenção de paz das Nações Unidas"; intercâmbio de conhecimentos e experiências na área de tecnologia de defesa"; "instrução e treinamento militar, exercícios militares conjuntos, assim como o intercâmbio de informações relacionadas a esses assuntos; "medicina militar"; "assistência humanitária"; "segurança em eventos importantes, bem como a troca de informações relativas a esse tema"; "outras áreas de defesa que possam ser de interesse mútuo".
Ainda segundo o documento, o acordo permite visitas mútuas de delegações de alto nível e de instituições equivalentes de defesa e de militares; intercâmbio de instrutores e de alunos de instituições militares de ensino; participação em cursos teóricos e práticos, visitas mútuas de navios e aeronaves militares; eventos culturais e desportivos; e participação conjunto em pesquisa e desenvolvimento de programas de aplicação de tecnologia de defesa.
Nenhum trecho do acordo assinado em Pequim sugere invasão chinesa ao Brasil em caso de militares tomarem o poder à força, como afirma o vídeo. Um artigo do acordo, inclusive, dedica-se especificamente a assegurar que nenhum dos dois países irá interferir em questões internas.
"Na execução das atividades de cooperação no âmbito do presente Acordo, as Partes comprometem-se a respeitar os princípios e as finalidades da Carta das Nações Unidas, que incluem igualdade soberana dos Estados, integridade e inviolabilidade territorial, bem como não-intervenção nos assuntos internos dos outros Estados", afirma um trecho do documento.
O segundo acordo bilateral com a China assinado no governo Dilma foi celebrado em 19 de maio de 2015 e assinado pela presidente do Brasil e pelo então primeiro-ministro da China, Li Keqiang. Ele trata de cooperações nas áreas política, econômico-comercial, energia e mineração, econômico-financeira, agricultura, supervisão da qualidade, inspeção e quarentena, indústria e tecnóloga da informação, cooperação espacial, ciência, tecnologia e inovação, área cultural e educacional.
Há apenas uma menção a acordos de cooperação de defesa, que também não menciona qualquer possibilidade de invasão militar chinesa: "A fim de aprofundar a cooperação em matéria de defesa, as duas Partes concordam em continuar o diálogo em assuntos militares e de defesa (Diálogo Def-Mil) dirigido à troca de informações sobre questões estratégicas e à eventual promoção de iniciativas conjuntas".
O texto também diz que, com base no Acordo assinado em 2011, os dois países "reforçarão a troca de visitas de alto nível e os intercâmbios profissionais e intensificarão a cooperação em áreas como treinamento de pessoal, sensoriamento remoto e produtos de defesa".
Plano de Ação Conjunta entre Brasil e China 2015-2021
Agenda 2030 da ONU
Em 2015, os 193 Estados-membro da Organização das Nações Unidas firmaram o compromisso de seguir medidas recomendas para o Desenvolvimento Sustentável. Entre os objetivos estão "acabar com a pobreza, proteger o planeta e garantir que até 2030 todas as pessoas desfrutem de paz e prosperidade" - daí o nome Agenda 2030. São 17 os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e nenhum deles fala em acabar com a propriedade privada ou garantias individuais, proibir livre expressão, credo religioso e colocar fim à família, como diz o vídeo investigado.
Os objetivos são: erradicação da pobreza; fome zero e agricultura sustentável; saúde e bem-estar; educação de qualidade; igualdade de gênero; água potável e saneamento; energia limpa e acessível; trabalho decente e crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades; cidades e comunidades sustentáveis; consumo e produção responsáveis; ação contra a mudança global do clima; vida na água; vida terrestre; paz, justiça e instituições eficazes; e parcerias e meios de implementação.
O vídeo diz que "todos os políticos isentões, esquerdistas e juízes ativistas do STF, e todos os níveis abaixo" trabalham para a Agenda 2030, como se fizessem algo ilegal. Na verdade, o Brasil é um dos signatário do acordo da ONU que estabelece os 17 ODS da Agenda 2030. Apesar dos ataques, um estudo apresentado no ano passado em uma audiência Pública na Câmara dos Deputados mostrou que o País não alcançou nenhuma das 169 metas destrinchadas nos 17 objetivos: 54,4% estão em retrocesso, 16% estão estagnadas, 12,4% estão ameaçadas e 7,7% mostram um progresso insuficiente.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.