O que estão compartilhando: que colocar alho no pé pode curar doenças, prevenir o câncer de colón, estômago, bexiga e pulmão e ser mais eficiente que o antibiótico ampicilina.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Especialistas ouvidos pelo Verifica afirmaram que a receita de colocar o alho no pé vem da sabedoria popular, e não tem, até agora, embasamento científico. O alimento tem, sim, ativos antimicrobianos, mas não pode substituir a medicação convencional. Além disso, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica afirmaram que o alho não tem o poder de prevenir o câncer.
O autor do vídeo, o médico Juan Lambert, foi procurado, mas não respondeu.

Confira abaixo a checagem ponto a ponto:
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Alho no pé, mito ou verdade?
Segundo o médico nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), o alho tem muitas propriedades positivas. Apesar disso, não existe embasamento científico para justificar o uso do alimento no pé contra infecções.
“O alho aplicado diretamente na pele não atua de uma forma sistêmica. A pele é uma barreira protetora e ela impede a absorção de muitas substâncias”, explicou o médico.
O médico alerta que, em alguns casos, o uso do alho pode causar alergias ou irritações locais, principalmente quando ele entra em contato com mucosas. “Por isso, é importante consultar fontes científicas confiáveis e médicos especialistas”, disse.
O médico infectologista Marcelo Daher, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) explicou que a receita faz parte da sabedoria e da cultura popular. No entanto, ele alerta que o uso do alho não pode substituir tratamentos comprovadamente eficazes.
“Acho que a gente tem que respeitar essa cultura popular que vem de muito tempo. O que a gente pode tentar fazer é não deixar que isso atrapalhe um tratamento”, afirmou.
O que diz o estudo citado no vídeo?
No vídeo, o médico afirma que existiria um estudo que demonstraria que o alho é mais eficaz que a ampicilina. O nome da pesquisa é “Análise GC-MS e atividade antibacteriana de extrato de alho com antibiótico”, publicada na revista Journal Of Medicinal Plants Studies em 2020 (acesse aqui).
Os estudiosos analisaram a atividade de dois tipos de alhos, um de origem iemenita e outro de origem importada não identificada. Eles passaram por um processo de extração aquosa e extração metanólica (neste caso, usando metanol como solvente). Uma análise com os componentes mostrou que a extração aquosa do alho foi eficaz contra bactérias resistentes.
Além disso, a extração combinada com a ampicilina aumentou a atividade do antibiótico de farmácia. Outra conclusão do estudo é que o alho do Iêmen mostrou ter mais potência antimicrobiana do que o importado.
Para Durval Ribas Filho, que analisou o artigo a pedido do Verifica, esse estudo específico não é suficiente para validar a utilização do alho na prática clínica.
“Há necessidade de estudos clínicos objetivos e realizados em seres humanos para que o extrato de alho possa ser prescrito por médicos”, disse. “Principalmente, junto com os antibióticos e não uma simples substituição (dos medicamentos)”.
Sobre a revista na qual o estudo foi divulgado, o médico informou não ter evidências de que o Journal of Medicinal Plants Studies “esteja indexado em bases de dados renomadas como PubMed, Scopus ou Web of Science. Portanto, a visibilidade acadêmica é limitada por um menor rigor no processo de revisão científica.”

Quais as propriedades do alho?
O alimento tem compostos com propriedades antimicrobianas, antioxidantes e anti-inflamatórias. Isso porque o alho tem um componente chamado alicina, que estimula a produção de glóbulos brancos, importantes para o sistema imunológico.
“A alicina favorece a prevenção de doenças, inclusive melhorando a resposta imunológica”, explicou Durval Ribas Filho.
Os benefícios podem ser obtidos com o consumo regular na alimentação, e não com uso diretamente na pele.
Apesar de ter ação antimicrobiana, não há indicação de substituir um tratamento com antibiótico pelo alimento.
“Os antibióticos são medicamentos específicos produzidos em laboratório que atuam de uma forma precisa contra uma variedade específica de bactérias. O alho é um alimento excelente, mas ele tem uma ação limitada”, afirmou Durval.
Alho pode prevenir o câncer?
O vídeo também afirma que o alho pode ser um alimento preventivo contra o câncer. Mas a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc) informou por meio de nota que “não há embasamento científico para essa associação”.
A entidade informou que o que contribui para a prevenção do câncer é a prática regular de atividade física, a alimentação equilibrada com abundância de verduras, legumes, frutas e fibras e a moderação no consumo de açúcar e gorduras saturadas. A Sboc tem uma cartilha sobre prevenção e controle do câncer. Acesse aqui.
A especialista do Instituto Nacional do Câncer (Inca) Luciana Grucci Maya, chefe da Área Técnica de Alimentação, Nutrição, Atividade Física e Câncer, respondeu ao Verifica que o alho, isoladamente, não tem o poder de prevenir qualquer tipo de câncer.
De acordo com ela, o que o Inca recomenda é ter uma alimentação saudável, baseada em alimentos vegetais in natura não processados. Como exemplos, Luciana cita frutas, hortaliças, feijões, cereais integrais e oleaginosas, como castanhas. A especialista lembra ainda que o consumo de carnes vermelhas deve se limitar a 500 gramas por semana. As carnes embutidas, os alimentos e bebidas ultraprocessados e o fast food devem ser evitados.
“A alimentação saudável contribui para a prevenção e auxilia no tratamento do câncer, além de ser essencial para a manutenção do peso corporal dentro dos limites da normalidade. Manter o peso corporal adequado é uma das principais formas de prevenir o câncer”, informou. /COLABOROU DANDARA FRANCO