O que estão compartilhando: vídeo em que uma mulher calcula um público de 1,2 milhão para o ato a favor da anistia do 8 de Janeiro organizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista em 6 de abril. Ela questiona a contagem feita por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), que contabilizaram 44,9 mil pessoas, e afirma que a Folha de S.Paulo noticiou que eles não iriam divulgar os dados por problemas técnicos.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Para chegar ao número de 1,2 milhão de apoiadores, autora do vídeo usou dados errados. Primeiramente, ela cita uma largura imprecisa da Paulista. Em segundo lugar, ela considera que toda a extensão da avenida estava cheia de apoiadores, o que não é verdade. Por fim, a reportagem apresentada no vídeo nunca foi publicada pela Folha de S. Paulo. A contagem feita pelos pesquisadores da USP foi divulgada pela Folha e por outros veículos de imprensa.
A reportagem procurou a autora da publicação, mas ela não respondeu.

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Cálculo feito no vídeo usa dados errados
Há diferentes formas de se contar multidões. A autora do vídeo utiliza uma maneira conhecida como “Fórmula de Jacobs”, batizada em homenagem ao criador do método, Herbert Jacobs, professor de jornalismo da Universidade da Califórnia.
Utilizado desde a década de 1960, principalmente por jornalistas e organizadores de eventos, o método consiste em dividir a área ocupada pela multidão em quadrantes, contar o número de pessoas em alguns deles para obter uma média de pessoas por metro quadrado, e então multiplicar essa média pela área total ocupada.
A autora do vídeo, no entanto, utilizou dados errados para montar o cálculo.
Ela diz que a Paulista tem 2,8 mil metros de comprimento e 70 metros, o que resultaria em 196 mil metros quadrados. No entanto, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (Smul) informou que a largura da via e das calçadas varia ao longo da avenida. O comprimento está correto.
Em seguida, a responsável pelo vídeo afirma que, segundo imagens do evento, todo o espaço da avenida foi ocupado. Mas isso também está incorreto. Segundo veículos de imprensa (Poder360 e GloboNews), o protesto tomou aproximadamente três dos 18 quarteirões da via.
A mulher não mostra fotos ou vídeos com a Paulista cheia. Imagens aéreas divulgadas pela imprensa comprovam que a extensão da avenida não foi totalmente ocupada.

No vídeo, a mulher afirma que a densidade do público ficou entre 4 e 9 pessoas por metro quadrado. Mas as imagens do ato mostram que houve diferenças na ocupação do espaço.
Transmissão da Globo News feita às 15h01, por exemplo, mostra áreas de baixa densidade próximas ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), onde o palco do evento foi montado. O Poder360 e o Uol também divulgaram registros que mostram trechos com menores densidades.
USP utiliza inteligência artificial para contar multidões
O Monitor da USP utiliza fotografias aéreas para fazer o cálculo de multidões. Porém, em vez de fazer uma média da densidade do público na área total ocupada, os pesquisadores utilizam a inteligência artificial para contar cabeça a cabeça. A margem de erro, atualmente, é de 12%.
O professor de Gestão de Políticas Públicas da USP Pablo Ortellado, coordenador do monitor, detalhou ao Verifica como é feito esse trabalho.
A partir do início de um ato ou manifestação, a cada 30 ou 40 minutos, a equipe sobe um drone e registra fotografias a 90º de toda a extensão ocupada. As imagens são submetidas ao software “Point to Point Network”, desenvolvido na China, que faz a contagem de pessoas.
Ao final, o maior número alcançado é divulgado. No caso do último ato pela anistia, a maior concentração de pessoas ocorreu durante o discurso de Bolsonaro.
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A margem de erro, explica o professor, ocorre porque o software pode confundir alguns pontos, como a copa de uma árvore, por exemplo, e considerá-lo uma cabeça.
Quando os pesquisadores começaram a trabalhar com a ferramenta, a margem de erro era de 30%. Essa porcentagem caiu após a IA ser treinada com imagens registradas no Brasil, mais especificamente de manifestações na Avenida Paulista.
Nesse treinamento, alunos da USP passaram mais de uma ano marcando manualmente cabeças em imagens de atos e manifestações.
“Marcamos centenas de milhares de cabeças nas fotos para que a ferramenta aprendesse a distinguir. Nosso software ficou muito mais preciso porque está nas condições brasileiras”, afirmou.
“A gente treinou com as fotos do jeito que a gente faz, sempre com ângulo de 90°, com a luz brasileira e na Paulista, que é onde a gente faz a maior parte parte das nossas medições”, explicou Ortellado.
Atualmente, a equipe testa novas tecnologias que prometem reduzir a margem de erro. O coordenador do monitor ressalta que o método está aberto a checagens externas. As fotos utilizadas nas medições, por exemplo, são disponibilizadas. As do último ato estão neste link.
“A gente convida quem tiver dúvidas a contar porque dá pra contar na mão. É chato, é trabalhoso, mas não é nada que um pequeno grupo não resolva numa tarde”, afirmou.
Ortellado observa que o número obtido pelo Monitor tem sido menor que os dos demais, mas acredita que o da USP é o mais preciso. “Os métodos deles são sérios, só são menos precisos porque a densidade é muito variável“, afirmou.
Métodos do Poder360 e do DataFolha
Assim como a USP, o Poder360 e o DataFolha fizeram cálculos de público a partir de imagens registradas por drone durante a fala de Bolsonaro. O método de contagem de ambos foi o de Jacobs, e não por software de IA.
O Poder360 chegou à estimativa de 59,9 mil pessoas. Para isso, registrou fotos entre 16h03 e 16h09 e esquadrinhou os espaços com o Google Earth para identificar em quantos metros quadrados havia público.
Em seguida, marcou espaços de acordo com a concentração de pessoas, sendo considerada densidade baixa a presença de uma pessoa por metro quadrado e alta a de cinco pessoas por metro quadrado.
Depois, o portal somou o número de pessoas em cada metro quadrado e chegou ao total estimado. Os responsáveis pela medição alertam que o valor é aproximado.
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O DataFolha estimou presença de 55 mil pessoas. O instituto usou imagens aéreas obtidas às 15h42. A manifestação ocupava cerca de três quarteirões da avenida naquele momento, entre a alameda Ministro Rocha Azevedo e a Rua Pamplona.
Conforme os responsáveis pela medição, o espaço totaliza 30 mil metros quadrados e apresentava três tipos de concentração de público: densidade alta, densidade média e dispersão.
O cálculo de densidade variou de uma a quatro pessoas por metro quadrado. Algumas áreas apresentaram espaços vazios, com concentração menor que uma pessoa por metro quadrado.
O vídeo ainda desinforma sobre ter sido publicada uma reportagem pela Folha de S.Paulo afirmando que o Monitor da USP, não faria a divulgação de dados. A alegação foi desmentida pelo jornal: “A imagem é uma montagem, uma vez que tal reportagem não foi publicada”.
A alegação de que Folha de S.Paulo noticiou que a USP não iria divulgar o número de participantes foi desmentida por Lupa, Aos Fatos, Reuters, Fato ou Fake.