A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar nesta terça-feira, 30, para que o jornal Folha de São Paulo mantenha em seu site a checagem de uma postagem feita pelo senador Marcos Do Val (Podemos-ES). No começo do mês, a Justiça do Espírito Santo concedeu decisão a favor do senador para que a verificação fosse retirada do ar por "ofensa da imagem e da honra" dele. A checagem foi produzida pelo Projeto Comprova, coalizão de 28 veículos para verificação de desinformação nas redes sociais, coordenada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Em despacho de 25 de março, o juiz Rodrigo Cardoso Freitas, da 5ª Vara Cível de Vitória, havia dado até o dia 30 para a remoção da checagem, com multa de R$ 1 mil por dia de descumprimento. No mesmo dia, a ministra concedeu a liminar. Dessa forma, o jornal pode manter o texto no ar até que a 2ª instância da justiça capixaba julgue o mérito da ação.
Na reclamação ao STF, a advogada da Folha Taís Gasparian defendeu que a decisão da 1ª instância é censura prévia e censura a posteriori, o que viola o entendimento do STF na ADPF 130, ação em que a Corte declarou a incompatibilidade da Lei de Imprensa com a Constituição. O jornal ainda alega que o termo "enganoso", utilizado na classificação da checagem, "não imputa má-fé a quem propagou a informação, mas sim imprecisão ou capacidade de enganar do conteúdo analisado".
Na 1ª instância, a defesa de Marcos Do Val sustentou que a verificação teve o intuito de difamar a imagem dele, afirmando que sua intenção com o vídeo seria a de enganar os cidadãos. Alegou ainda que os veículos teriam ultrapassado os limites da liberdade de expressão ao publicar insultos e praticar crimes contra sua honra. "O pedido foi apenas para retirada da matéria e retratação, sem qualquer caráter indenizatório. Não deveria ser causa de espanto um cidadão pedir auxílio ao Poder Judiciário quando se entende injustiçado", afirmou.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) criticou a decisão da Justiça do Espírito Santo e disse esperar que a decisão do juiz seja revista, pois fere o princípio constitucional da liberdade de imprensa. A ANJ assinalou ainda que o trabalho de checagem dos fatos feito pelo Projeto Comprova, assim como outras iniciativas similares, é fundamental no combate aos males da desinformação e deveria ser valorizado e não punido pelas instituições do país.
A checagem
A checagem foi produzida pelo Projeto Comprova, coalizão de 28 veículos para verificação de desinformação nas redes sociais, da qual o Estadão Verifica faz parte. A reportagem concluiu que uma postagem do senador era enganosa pois mostrava trechos fora de contexto de uma fala do médico Drauzio Varella de modo a sugerir ironicamente que ele minimizasse a gravidade da crise sanitária. O post enganava ao não informar que o vídeo era antigo e que o médico não só assumiu ter subestimado a doença, como alterou seu posicionamento.
O uso de conteúdos verdadeiros, mas usados fora de contexto para provocar interpretações diferentes das de seu autor, é algo corriqueiro ao se disseminar desinformação, explica o editor do Comprova, Sérgio Lüdtke. "No caso da postagem do senador, ela tem o poder de confundir as pessoas sobre o comportamento esperado diante dos riscos de contágio. E isso se dá num momento crucial da pandemia em que a população necessita de informação correta e confiável. A autoridade e a capacidade de influência de um senador da República podem dar autenticidade a conteúdos enganosos", completa.
A checagem do conteúdo postado pelo senador foi publicada pela Folha, pela emissora SBT e pelo portal UOL. Apenas a ação contra o jornal chegou à fase de sentença.
O Estadão Verifica já checou postagens nas quais o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, tiravam o vídeo de Drauzio Varella de contexto.
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