Postagem distorce fala de diretor médico do Reino Unido para questionar vacinas contra a covid-19

Em vídeo que viralizou, Chris Whitty falava da obrigatoriedade da vacinação para trabalhadores de casas de repouso; ele não criticou imunizantes

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Foto do author Luciana Marschall
Atualização:

O que estão compartilhando: que o diretor médico do governo do Reino Unido, Chris Whitty, teria admitido que a decisão de tornar obrigatórias as vacinas para covid-19 foi “100% política”.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Whitty na verdade se referia à obrigatoriedade da vacinação para trabalhadores de casas de repouso no Reino Unido. A vacina contra covid-19 não era obrigatória para toda a população britânica. No vídeo usado na postagem, o diretor médico respondia se a obrigatoriedade para trabalhadores da saúde foi uma decisão dele ou de políticos do governo britânico. Whitty disse que a decisão foi política, mas acrescentou que havia dados clínicos que justificavam a iniciativa. O diretor médico não colocou em questão a eficácia das vacinas em nenhum momento de sua declaração.

Procurada, a jornalista Karina Michelin, autora da postagem enganosa, não respondeu.

Chris Whitty se referia à obrigatoriedade da vacinação para pessoas que trabalhavam em casas de repouso no Reino Unido. Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: em 2021, o Reino Unido tornou obrigatória a vacinação contra a covid-19 para pessoas que entrassem em lares de idosos registrados na Care Quality Commission (CQC), a agência reguladora de saúde e assistência social para idosos na Inglaterra. A exigência foi colocada em prática em novembro.

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Em dezembro, o parlamento aprovou que a medida se estendesse para estabelecimentos de saúde e assistência social. A partir desse momento, passou a haver uma exigência de que essas unidades só empregassem trabalhadores totalmente vacinados. A previsão era de que a regulamentação entrasse em vigor em 1º de abril de 2022. Isso não ocorreu porque em março as duas determinações foram revogadas.

Apesar de ter revogado a obrigatoriedade para esses trabalhadores, o governo britânico reforçou, na ocasião, que a vacinação continuava sendo a melhor linha de defesa contra a covid-19. A gestão ressaltou que todos os profissionais de saúde e assistência social tinham o dever profissional de se vacinar.

Em 2022, foi aberto um inquérito público independente para examinar o impacto da pandemia da covid-19 e a resposta do Reino Unido à emergência. O objetivo era aprender lições para o futuro. Desde outubro daquele ano, audiências públicas têm sido realizadas. Neste contexto, Whitty respondeu no último dia 20 a questões do advogado do inquérito, Hugo Keith, e da presidente da comissão, Heather Hallett.

O que disse o diretor médico do Reino Unido?

Ao longo da audiência, Keith questionou a Whitty se a obrigatoriedade da imunização para trabalhadores de lares de idosos foi uma questão determinada por ele, enquanto diretor médico, ou se foi uma decisão política, tomada por ministros britânicos. Whitty respondeu que, na visão dele, “foi 100% uma decisão política”. Ele destacou, contudo, que havia informações clínicas que justificaram a decisão.

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O médico acrescentou que, naquele momento, a discussão era sobre equilibrar riscos e direitos: o risco para um indivíduo altamente vulnerável ser cuidado por alguém que, por não ter sido vacinado, poderia transmitir uma infecção; contra a proteção do direito de um indivíduo de recusar um procedimento médico sem perder o emprego.

Como cidadão, ele se disse cético sobre a obrigatoriedade ser uma boa ideia. Whitty citou como exemplo a obrigatoriedade da imunização contra a varíola, que gerou no final do século 19 e início do século 20 um grande movimento antivacina.

Enquanto médico, ele disse ter outras observações. Uma delas é que sempre existiu, nas orientações do Conselho Geral de Medicina do Reino Unido, a responsabilidade profissional de proteger os pacientes de doenças transmissíveis. Isso inclui, explicitamente, a necessidade de vacinação dos profissionais de saúde.

Whitty ponderou que há uma grande diferença entre a responsabilidade de se vacinar e a decisão de tornar a vacinação obrigatória legalmente.

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Em nenhum momento do depoimento, o diretor médico se colocou contra a vacinação contra a covid-19. Nas redes sociais, há registro dele defendendo as vacinas (aqui e aqui) ao longo do combate à pandemia.

Governo justificou decisão com base em dados sobre mortes e vacinação

A autora do post alega que o governo britânico ignorou a ciência ao decidir sobre obrigatoriedade de vacina. Isso não é verdade. Ao comunicar a decisão sobre os trabalhadores de asilos, o governo detalhou as evidências que justificaram a obrigatoriedade.

O governo informou, por exemplo, que mesmo com a distribuição de equipamentos de proteção, como máscaras e luvas, mais de 15.500 residentes de casas de repouso haviam morrido de covid-19 em 2021.

Além disso, a Agência de Segurança Sanitária do Reino Unido (UKHSA, na sigla em inglês) apontou que o programa de vacinação havia prevenido 24,1 milhões de infecções e 127.500 mortes até 24 de setembro de 2021.

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Conforme o jornal inglês The Guardian, a visão geral do inquérito até o momento é de que a vacinação foi um sucesso no objetivo de proteger a população. Nos primeiros nove meses, os imunizantes evitaram mais de 23 milhões de infecções e 123 mil mortes no Reino Unido.

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A comissão, no entanto, fez críticas à forma com que o governo lidou com a compra antecipada de medicamentos para pessoas imunocomprometidas.

Também foram apontados problemas com a distribuição das vacinas, como falta de acesso e de informações para grupos vulneráveis. Os integrantes do inquérito levantaram ainda preocupações com efeitos colaterais raros das vacinas, com críticas ao esquema de compensação do governo.

Vacinas são eficazes e seguras

A autora da publicação afirma que os imunizantes “deixaram um rastro de coágulos sanguíneos, miocardite e mortes” e acrescenta que as vacinas não impedem a transmissão e a infecção pela doença. Isso não é verdadeiro.

A vacinação é amplamente reconhecida como uma das estratégias mais eficazes para evitar o contágio pela covid-19 e é consenso científico que os benefícios superam amplamente os riscos.

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Como explicado pelo Estadão Verifica (aqui), casos de trombose, quando há formação de um coágulo sanguíneo, foram associados à vacina com adenovírus em sua formulação (AstraZeneca e Jansen), mas são raros. Segundo nota técnica do Ministério da Saúde, em países europeus, foram registrados 1 caso a cada 100 mil doses aplicadas, ou seja, em 0,001% dos indivíduos vacinados.

Conforme demonstrado pelo Comprova (aqui), coalizão de checagem de fatos da qual o Verifica participa, casos de miocardite e pericardite aparecem como efeito adverso pós-vacinação com imunizantes de mRNA (como o da Pfizer), mas são raros. Estudos revisados por pares e publicados em revistas científicas mostram que a probabilidade de uma pessoa sofrer miocardite como resultado de infecção por covid-19 é muito maior do que como evento adverso pós-vacinação.

No Brasil, o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em junho de 2023, mostrou que foram registradas 50 mortes com relação causal com a vacinação. Isto é, 0,013 casos a cada 100 mil doses aplicadas (aqui). Até novembro do ano passado, foram identificados no País 1,1 casos de eventos adversos pós-vacinação graves, fatais ou não, a cada 100 mil doses administradas.

Em 2023, a Coalizão Internacional de Autoridades Reguladoras de Medicamentos (ICMRA, na sigla em inglês), formada por 38 órgãos de todo o mundo, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), publicou uma declaração sobre a segurança das vacinas contra a covid.

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Até aquele momento haviam sido administradas mais de 13 bilhões de doses no mundo e as evidências mostraram que as vacinas têm um perfil de segurança muito bom em todos os grupos etários.

O vídeo analisado nesta checagem também foi checado por Reuters Fact Check e Uol Confere.

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